domingo, 12 de outubro de 2014

Sobre Cuba

Manifestação na Tribuna Antimperialista da Havana, diante da Oficina de Interesses dos Estados Unidos

Informações Gerais:

Localizada ao sul da Península da Flórida, ao norte da Jamaica, a oeste do Haiti e leste da península de Yucatán, Cuba é ponto estratégico no mapa da região devido a sua proximidade da entrada do Golfo do México e do norte da América do Sul.

Com área de cerca de 110 000 km² - aproximadamente 40% da área do estado de São Paulo - o território do país é composto por uma ilha principal, onde está concentrada a maior parte da população e as principais cidades, incluindo a capital Havana, e algumas pequenas ilhas e ilhotas menores no seu entorno.

Nesse território, que se subdivide em 15 províncias e um município especial, vivem cerca de 11 milhões de habitantes, dos quais 8,4 milhões estão nas cidades e 2,9 milhões nas áreas rurais.

Com Produto Interno Bruto bastante modesto quando comparado aos países centrais e ditos desenvolvidos, de cerca de 68 bilhões de dólares - aproximadamente o PIB do estado do Mato Grosso - Cuba é protagonista inquestionável nas conquistas sociais.

Nesse sentido, mesmo em relação ao IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) que, por considerar o PIB per capta como critério de avaliação, resulta em óbvio favorecimento aos países ricos, Cuba está na 4ª posição nas Américas.

Um breve panorama histórico:

História pré-colonial e colonial

Anteriormente à chegada espanhola, a ilha era habitada por povos indígenas que se encontravam em níveis de desenvolvimento similares às formas do início do período Neolítico - já sedentários e praticantes da agricultura - que coexistiam com formas mais rudimentares de interação com a natureza, como a caça e a coleta. Acredita-se que se estabeleceram na ilha a partir dos anos 10.000 a.C., fruto de sucessivas migrações advindas de regiões desde o sul da Flórida até Colômbia e Venezuela. Estima-se que anteriormente ao contato com os espanhóis a população era de cerca de 300 mil indígenas.

            Com a invasão dos espanhóis em 1492, e o estabelecimento da colônia, deu-se início, como em parte significativa do continente, à exploração sistemática da mão de obra indígena sob a encomienda1 e os repartimientos2, além da inserção de escravos trazidos da África. Sob essas formas, observada a política metalista espanhola, a primeira tentativa econômica voltou-se à exploração do ouro, que se frustrou e foi praticamente abandonada já na metade do século XVI, devido à rara presença de tal metal em solo cubano.

            Relegado ao plano secundário frente à intensiva exploração dos metais preciosos em outras regiões da dita “América Espanhola”, o que possibilitou o desenvolvimento inicial de uma espécie de colônia de povoamento, o país percorreu um largo período de práticas econômicas relacionadas à produção de gado para suprir outras colônias. Lentamente, a plantação do tabaco, aprendida dos indígenas, assumiu relevância econômica, além da consolidação do porto de Havana como parada de navios que vinham da Metrópole ao resto da América.

Já no início do século XVIII, o tabaco, produto bem aceito no mercado europeu, sofre a imposição do estanco (fixação de preços pela metrópole), o que configura o primeiro desafio ao poder regional que até então gozava de relativa autonomia. Ocorre então a Insurreição dos Vergueiros, conduzida pelos produtores de tabaco. Seria a primeira revolta armada em Cuba a contrapor os interesses dos colonos e as imposições da metrópole.

Tentativas de Independência

Os conflitos entre as potências coloniais na Europa, a partir do século XVIII, em conjunto com o acirramento das contradições entre colônia e metrópole, modificam o jogo de interesses sobre a região. Tais interesses se manifestaram sob duas tendências concorrentes:

A primeira foi a tentativa de fortalecimento do vínculo com a Metrópole, que se manifestou como consequência da Guerra dos Sete anos e a expulsão dos ingleses da capital Havana. Objetivava, através da militarização e fortificação de porções da ilha, manter Cuba sob o domínio espanhol.

E a segunda, que se mostrava inevitável, buscou desenvolver autonomia em relação à metrópole e uma aproximação com Estados Unidos. Materializou-se como consequência da Guerra de Independência dos Estados Unidos e dos conflitos ocasionados pela Revolução Francesa, quando se quebrou o monopólio comercial espanhol sobre o país e, rapidamente, relações comerciais com os Estados Unidos foram estabelecidas. Assim, somada à situação favorável no mercado internacional dos preços do açúcar, que subira vertiginosamente devido à Revolução Haitiana; Cuba inicia uma economia voltada ao mercado externo não hispânico, baseada na mão de obra escrava, no latifúndio e na monocultura da cana.

            Como consequência do afastamento da Espanha e da criação de uma identidade nacional, ideais de independência florescem na sociedade cubana.

            Parte da elite agrária que não tinha sua produção baseada no trabalho escravo, aliada às camadas médias da população e escravos libertos, organizam o Ejército Libertador, liderado por Carlos Manuel de Céspedes, e tomam a cidade de Bayamo e a parte oriental do território cubano. Inicia-se o processo revolucionário de independência, que em meio a sucessivas guerras, combates e indefinições, eterniza figuras como Máximo Gomez, Antonio Maceo e José Martí3.

Após 30 anos de conflitos com a Espanha, o processo de libertação nacional tem seu rumo desviado devido à guerra Hipano-Americana. O neocolonialismo yankee e o velho colonialismo se enfrentam; Cuba, assim como Porto Rico e Filipinas são levadas como prêmios em uma guerra que terminou com a assinatura do tratado de Paris em 1898 e cerca de 300 mil mortos. Sem nenhuma representação na assinatura de tal tratado, Cuba deixara de ser colônia da Espanha e passaria a ser território ocupado pelos Estados Unidos.

Mesmo que a independência não houvesse se concretizado, os ideais de libertação e o exemplo de heroísmo permaneciam latentes, a ponto de que, mais de meio século depois, o então jovem advogado Fidel Castro, ao ser preso por suas atividades revolucionárias, afirmaria que Martí era o “autor intelectual” de sua prática libertadora.

            Dominação dos Estados Unidos

Em janeiro de 1899, os Estados Unidos passaram a ocupar a ilha e nesse mesmo ano estabeleceram um governo militar. A situação era devastadora, pois, em consequência da guerra contra os espanhóis, a produção da cana ficara altamente comprometida, a produção de gado se extinguira e o país  passara a enfrentar epidemias e fome - o que se reflete nas altas taxas de mortalidade do período. Mesmo a já tradicional economia agroexportadora encontrava-se com poucas condições de infra-estrutura.

            Em 1900, constitui-se a república, sob o voto censitário e totalmente atrelada aos interesses dos EUA. A expressão de tal atrelamento, no campo jurídico, seria a imposição da Emenda Platt - apêndice à constituição de Cuba - que, dentre outras coisas, garantiria o direito à intervenção militar e, posteriormente, o Convenio de Arrendamentos para Estações Navais que determinava a ocupação de partes estratégicas do território por parte dos Estados Unidos.

            Aproveitando a conjuntura, os capitais estadunidenses, já significativos na ilha no século anterior, afluem sobre a Cuba no início do século XX e passam a avançar sobre o tabaco e a cana, além das construções necessárias ao incremento de sua dominação econômica, como as estradas de ferro para o escoamento da produção. Como consequência, todo o período ulterior até o ano da tomada do poder por parte dos revolucionários em 1959 teria como marca a pseudo-independência de tratados comerciais abusivos, corrupção latente e progressiva dependência econômica. De colônia à neocolônia, pouco mudara a estrutura social ou a exploração dos trabalhadores sazonais da cana, que, libertos da escravidão em 1886, gozavam apenas de liberdade formal, pois ainda estavam presos à terra e ao latifúndio.

Assim, as disputas políticas e instabilidades entre as elites levaram a estratagemas eleitorais e militares durante cerca de 50 anos, que no ano de 1952 teriam sua ilustração máxima no golpe perpetrado por Fulgencio Batista. Devido aos históricos problemas sociais frutos da dependência secular, à falta de direitos políticos e ao acúmulo de experiências e exemplos surgidos da luta pela independência, constituiu-se uma intensa oposição ao regime de Batista, organizada nos sindicatos, entidades estudantis e movimentos de libertação nacional. Dentre esses, destacou-se o Juventude do Centenário de Martí, que contava com a participação do futuro líder da Revolução Cubana.

            A Revolução

O caminho da luta armada não é o caminho que escolheram os revolucionários, senão o caminho que os opressores impuseram aos povos. Os povos têm então duas alternativas: dobrar-se ou lutar.”

Fidel Castro Ruz,1967

Seria impossível vencer Batista sem a luta armada. Pensando de tal maneira, a Geração do Centenário, como ficaria conhecida posteriormente, liderada por Fidel Castro Ruz, organizou o ataque ao Quartel Moncada, no dia 26 de Julho de 1953. A ação resultou em uma derrota militar aos revoltosos, entretanto, ao provar que era possível desafiar a tirania, se converteria em uma vitória política frente a uma ditadura baseada na subjugação dos trabalhadores cubanos. Dentre os mártires do Moncada, somente 8 caíram em combate, outros 80 foram assassinados após sua detenção, o que obviamente chocou a sociedade cubana e intensificou o ódio ao regime. Preso após o fracasso do Moncada, Fidel converteria seu julgamento em julgamento da opressão e da injustiça no país, através de seu discurso de defesa “A História me Absolverá”. Solto após ampla mobilização popular que logrou sua anistia, Fidel voltaria a organizar o movimento de libertação nacional sob o nome de Movimento Revolucionário 26 de Julho. O 26 de Julho seria a convocatória à ampliação da luta armada, o exemplo de jovens que dariam suas vidas pela transformação de uma sociedade.

Assim, no ano de 1956, organizado e liderado desde o México por Fidel, o iate Granma desembarcou na costa oriental de Cuba, repleto de jovens guerrilheiros, dentre eles o médico argentino Ernesto Guevara - que daria sua vida na luta de libertação dos povos do terceiro mundo. Os revolucionários dominariam a Sierra Maestra4 e estenderiam a luta para todo o oriente do país através de colunas e focos guerrilheiros. Em menos de 3 anos, com a adesão de camponeses, estudantes e trabalhadores urbanos, ao tomar a capital do país, em primeiro de janeiro de 1959, o direito à auto-determinação do povo cubano seria consagrado.
Em pouco tempo, provando que era possível desafiar os interesses do imperialismo que sugava as riquezas do país, o governo revolucionário realizou a reforma agrária e superou o analfabetismo.

A reação Imperialista e a abnegação do povo cubano

Sob o comando de Einsenhower, em 1960, a então administração do governo dos Estados Unidos cancelou as compras de açúcar encomendadas à Cuba, com o claro objetivo de enfraquecer economicamente o país. Dessa forma, pela posição hostil dos Estados Unidos frente à revolução, o governo revolucionário se aproxima da URSS e, numa escalada de tensões com os Estados Unidos - e de pressões por parte do país, como quando as refinarias norte-americanas na ilha se recusam a refinar o petróleo cubano - nacionaliza as propriedades estadunidenses. Também, em denúncia à posição dominadora dos Estados Unidos sobre a Organização dos Estados Americanos (OEA), o governo proclama a Primeira Declaração da Havana.5

Para desestabilizar o processo revolucionário, no mês de abril de 1961, os yankees intensificam os ataques e ações coordenadas, como assassinatos, bombas e incêndios. No dia 15, através de aviões bombardeiros norte-americanos, camuflados com insígnias cubanas, atacam diversas bases aéreas cubanas o que resulta na morte de 6 cubanos.6 A agressão norte-americana era iminente. No dia seguinte, em um ato de massas em homenagem aos caídos na luta, Fidel reafirma o compromisso da revolução com os trabalhadores ao declarar o caráter socialista da revolução:

“O que não podem perdoar os imperialistas é a dignidade, a integridade, o valor, a firmeza ideológica, o espírito de sacrifício e o espírito revolucionário… O que não nos perdoam os imperialistas é que tenhamos feito uma revolução socialista sob os narizes dos Estados Unidos… E que essa revolução socialista, a defendemos com esses fuzis!”

Fidel Castro Ruz,16 de abril de 1961

Além de arquitetar boicotes, financiar contra-revolucionários e promover o terrorismo na ilha, o governo dos Estados Unidos executa o desembarque de mercenários treinados na Guatemala por seus serviços de inteligência e forças armadas: a invasão de Playa Girón.

Na madrugada do dia 17, desembarcariam e seriam derrotados em Girón os 1500 mercenários treinados pelos Estados Unidos. As tropas cubanas, formadas  por trabalhadores e pessoalmente comandadas por Fidel, infligiam a primeira derrota ao imperialismo na América Latina.

Após Girón, Cuba é expulsa da OEA, e em seguida, através da Segunda Declaração de Havana, se solidarizando com os povos do continente, denuncia os mandos e desmandos dos governantes da América Latina.

            O legado social da Revolução

Mesmo com as adversidades e os ferozes ataques - militares, químicos, biológicos, econômicos, midiáticos - da maior potência econômica e militar do planeta, o povo cubano é soberano, exemplo de luta aos povos de todo o mundo submetidos à exploração.

            Como consequência da Revolução, ainda com as dificuldades de um bloqueio comercial assassino por parte dos Estados Unidos, Cuba erradicou o analfabetismo e atualmente possui a menor taxa de mortalidade infantil das Américas, expectativa de vida de 79 anos, 59 % da população com ensino superior e serviços como assistência de saúde e educação gratuitos - este último reconhecido até mesmo pelo Banco Mundial como melhor sistema de educação da América Latina. Isso só foi possível porque os trabalhadores, organizados sob um partido, através do Estado, souberam otimizar os recursos e destiná-los ao benefício social.

O grau de participação política, que em Cuba assume níveis inimagináveis para outros países, evidenciado, por exemplo, nas recentes discussões sobre o código do trabalho7, permitiu que Cuba fosse um dos países que melhor aproveitou a riqueza ao convertê-la em benefícios sociais para sua população. Cuba é o país mais pobre a figurar entre os países com grau de desenvolvimento humano considerados muito alto. Também, de acordo com Universidade das Nações Unidas, em 2010, Cuba era o único país do mundo a apresentar uma economia genuinamente sustentável.8

            Solidariedade e Internacionalismo

Além das conquistas para o povo cubano, a revolução possibilitou a edificação e a manifestação do espírito internacionalista e solidário, através de assistência médica, militar e educacional às regiões do planeta que dela necessitavam e necessitam.

No campo militar, por exemplo, Cuba enviou tropas à Angola no ano de 1975, fortalecendo a luta desse povo por sua libertação. Além disso, os cubanos enfrentaram bravamente o exército Sul Africano que sustentava o regime do Apartheid, contribuindo de maneira decisiva na derrocada do governo racista sul africano.

Na educação, profissionais cubanos auxiliaram na alfabetização de cerca de 1 milhão de Venezuelanos.9

Quanto à medicina, podem-se citar os 1200 profissionais de saúde enviados ao Haiti após o Terremoto de 2010, ou ainda, os recentes 165 médicos que desembarcaram no oeste da África para trabalhar no combate ao ebola. A solidariedade cubana é inquestionável e exemplar. Desde 1961, Cuba distribuiu cerca de 110 mil médicos em 103 países, e estima-se que tenha oferecido assistência médica a mais de 85 milhões de pessoas em todo o mundo.10

A pequena e pobre ilha do Caribe, ainda que assolada por boicotes, é o exemplo aos povos subjugados do planeta de que é possível enfrentar a dominação estrangeira e de que um povo pode escolher seu próprio rumo.

 “O povo cubano tem um lugar especial nos corações do povo da África. Os internacionalistas cubanos fizeram uma contribuição sem paralelo para a independência, a liberdade e a Justiça na África, por seu caráter íntegro e abnegado.

Desde seus primeiros dias, a revolução cubana tem sido uma fonte de inspiração para todas as pessoas amantes da liberdade. Nós admiramos os sacrifícios do povo cubano em manter sua independência e soberania diante da perversa campanha imperialista orquestrada para destruir as impressionantes conquistas da revolução (…)

            Que outro país pode ser comparável à enorme generosidade de Cuba em suas relações com a África? Quantos países do mundo se beneficiam dos profissionais de saúde e educadores cubanos? Quantos deles estão na África?”


Nelson Mandela, 1991

Notas:
1. Encomienda: era a institucionalização de um método de exploração do trabalho muito usado pelos espanhóis, que usavam a mão de obra indígena confiando alguma aldeia ou grupo de índios a um “encomendero”, que em “troca” de “doutrinação religiosa”, cobrava o trabalho, que acabava por ser compulsório.

2. Repartimientos ou Mita: tipo de trabalho forçado, no qual os índios eram pegos das aldeias e obrigados a trabalhar em condições extremamente precárias, sob longos períodos.

3. Martí é um dos principais heróis nacionais em Cuba, líder do processo de independência cubano, responsável pela unificação dos movimentos independentistas em 1895 e um dos primeiros a enxergar as intenções imperialistas dos Estados Unidos.

4. Principal cadeia de montanhas de Cuba, localizada na porção oriental do país.

5. A Primeira Declaração de Havana, também chamada de Proclamação dos Direitos dos Povos da América, foi lida por Fidel e aprovada, em 2 de setembro de 1960, por mais de 1 milhão de pessoas presentes na Praça da Revolução José Martí, em Cuba. A declaração, dentre outras coisas, condenava a exploração do homem pelo homem e a exploração dos países desenvolvidos pelo capital financeiro imperialista. Também rompia ligações com Taiwan, estabelecia relações com a China e aceitava ajuda soviética em caso de invasão imperialista.

6. Dentre eles o heróico artilheiro antiaéreo Eduardo Garcia Delgado, que com o próprio sangue, escreveu o nome de Fidel ao morrer sob os bombardeios yankees.

7. Cerca de 2,8 milhões de trabalhadores participaram da elaboração do novo código do trabalho, encaminhando, a partir de discussões em seus ambientes de trabalho, modificações de trechos e inclusive de artigos inteiros, que foram em sua maioria aceitas pela Assembléia Nacional do Poder Popular.

8. “(...) quando o Global Footprint Network plotou o IDH e as pegadas ecológicas per capita, apenas um país, Cuba, foi considerada como uma economia verdadeiramente sustentável (...)”

Human Sustainable Development Index, 2010 (Índice de Desenvolvimento Humano Sustentável, 2010)


10. Julie Feinsilver, “Cuba’s Health Politics: At Home and Abroad” (Políticas Cubanas de Saúde: Em Casa e no Exterior)

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