Uma das mais difundidas críticas contra países que apresentam, de alguma
forma, algum tipo de resistência aos interesses norte-americanos, refere-se à “censura”
e à “falta de liberdade de expressão”. É o caso de países como Cuba, a República
Popular Democrática da Coréia, Irã, entre outros. A “censura” e a “falta de
liberdade de expressão” são colocadas como a manifestação de como esses países não
são “democráticos”.
Tal crítica, evidentemente, não é difundida, ou sequer ocorre, quando se
trata de países que estão alinhados aos interesses norte-americanos, mesmo que esses
possam ter um forte controle sobre os meios de comunicação em seus territórios.
Tampouco é analisado: existem meios de comunicação democráticos e liberdade de expressão
quando estes pertencem a algumas poucas famílias?
O artigo a seguir, referente, especificamente, a Cuba, não tratará
diretamente dessas questões, mas tem grande valor para compreender o verdadeiro
sentido e os verdadeiros interesses por trás dessas críticas.
O artigo abaixo mostra uma das estratégias do governo norte-americano
para criar contradições dentro da sociedade cubana, a partir da guerra ideológica
no campo da cultura.
Retirado de www.cubadebate.cu
Traduzido pela equipe do blog Fuzil contra
Fuzil
EUA utilizou rappers para mudança
de regime em Cuba: Investigação de Associated Press
11 de dezembro de 2014
HAVANA (AP) — No início de 2009, um
contratante de uma entidade federal dos Estados Unidos enviou um promotor
musical a Cuba com a ordem de recrutar um dos rappers mais conhecidos
da Havana para desatar um movimento juvenil contrário ao governo cubano.
Tratava-se de um projeto, na Cuba comunista, que poderia
ter levado à prisão o promotor sérvio Rajko Bozic. Assim, quando fez sua
proposta ao artista Aldo Rodríguez, Bozic não lhe mencionou suas verdadeiras intenções, nem que estava trabalhando
para a Agência dos
Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
Com seu penteado rasta, seu corpo musculoso e
tatuado, Aldo era um herói no mundo ‘underground’ do hip-hop cubano, pelas
letras de suas canções que protestavam contra o controle do governo cubano
sobre aspectos da vida diária, em músicas como “El rap es guerra”, palavras que tem tatuadas em um dos antebraços.
Ele e seu grupo, “Los aldeanos”, estavam
prestes a entrar, sem sabê-lo, em um enfrentamento entre Washington e a Havana,
de acordo com o que é mostrado em milhares de páginas de documentos obtidos por The
Associated Press e em dezenas de entrevistas. No momento
em que o governo cubano dirigia seu olhar ao grupo de Aldo — seu primeiro álbum
chamou-se “Censurado”— Bozic foi enviado para subir o volume de suas músicas de
protesto.
O projeto secreto da USAID e dos artistas de
hip-hop cubanos tratava de disseminar uma “revolução democrática”, mas, como outras
operações estadunidenses na ilha, foi desenvolvido por
simples fanáticos.
Documentos mostram que a USAID colocou em perigo cubanos
inocentes e seus próprios contratantes apesar de que havia claros sinais de
alerta. As autoridades detiveram ou interrogaram músicos ou
operativos da USAID e lhes confiscaram várias
vezes seus computadores e unidades de memória, que em alguns casos continham
material que os vinculava com a entidade federal estadunidense.
Em uma declaração escrita, a USAID disse que esses
programas eram parte de um contrato de quatro anos que terminou em 2012, mas
negou que fossem clandestinos.
“Qualquer afirmação de que nosso trabalho é secreto
ou encoberto é simplesmente falsa”, disse à USAID em um comunicado na
quarta-feira. Seus programas tinham como fim fortalecer a sociedade civil
“frequentemente em lugares onde a participação cidadã é oprimida e onde as
pessoas são perseguidas, presas, submetidas a lesões físicas ou coisas piores”.
Creative Associates se absteve de fazer comentários.
A operação funcionou de maneira simultânea com outros
dois programas da USAID revelados previamente pela AP este ano: o lançamento de
uma espécie de “Twitter cubano” chamado ZunZuneo; e outro
programa que enviou à ilha jovens latino-americanos com o intuito de provocar
disparidades, que também incluiu elaborados
artifícios para ocultar tais atividades, como a criação de uma organização de
fachada e um exótico emaranhado financeiro para ocultar a participação norte-americana.
A USAID focou seus esforços em alguns dos mais
destacados músicos cubanos, entre eles dois de seus ícones com vínculos com o governo,
Silvio
Rodríguez e Pablo Milanés e, inclusive, em um membro da família
de Fidel Castro.
Rajko Bozic.
Como mostram os documentos, tudo girava
em torno de uma estratégia de manipulação sutil. Bozic, com seu cabelo negro
curto e seu sorriso sarcástico, foi contratado pela Creative Associates
International, uma companhia que assinou um contrato milionário com a USAID.
Seu objetivo: tomar as rédeas do movimento hip-hop da ilha “para ajudar a juventude cubana a romper o bloqueio informativo” e
criar “redes juvenis para a mudança social”.
Os contratantes de Creative contratariam Aldo e outros
músicos cubanos para desenvolver projetos que aparentemente eram iniciativas
culturais, mas que, na realidade, tinham como objetivo impulsionar sua
visibilidade e estimular seus fãs a desafiar o governo
cubano. O trunfo era fazê-lo sem que os prendessem.
Ainda que pareça inverossímil que os Estados Unidos
se valessem da música para gerar resistência ao governo de Raúl Castro, havia um
precedente: o projeto de Bozic inspirou-se em concertos de protesto do movimento
estudantil que ajudou a derrubar o então presidente sérvio Slobodan Milosevic no
ano 2000.
Bozic tinha estudado o universo do hip-hop cubano e
chegou à conclusão de que, por ser uma fonte de divergências, oferecia uma
oportunidade pouco comum, com potencial para desenvolver a missão de promoção da
democracia da USAID.
“Permanentemente, alguns dos artistas interpretam
canções que transbordam irritação, que criticam com força o regime”, escreveu
Bozic após uma viagem em 2009.
Mas o projeto hip-hop era difícil de ocultar. Bozic trabalhava
em cenários públicos em um país onde a música está inextricavelmente unida à
política e à vida cotidiana.
O governo já estava cancelando as apresentações de
hip-hop e inclusive havia criado uma agencia para regular o hip-hop: A Agencia
Cubana do Rap.
“Não devemos subestimar o potencial do governo para
reconhecer o perigo”, disse Bozic à Creative em um memorando.
Bozic notou que os músicos cubanos estavam abertos
a receber ajuda do exterior, mas se mostravam receosos dos Estados Unidos. Qualquer um
que fosse descoberto participando em uma operação de USAID poderia ir parar na
prisão. O financiamento era um assunto “a ser discutido somente com contactos
de alta confidencialidade”, escreveu Bozic.
Assim, o sérvio disse a Aldo que trabalhava em meios
alternativos e marketing. Os dois conversaram no terceiro
andar de um apartamento que Aldo compartilhava com a sua mãe, desde onde era
possível ver o Zoológico da Havana. Mas foram a um bar para evitar o incômodo do
telefone do rapper, que não parava de tocar. Parecia que todos tinham algo que gostariam
de pedir a Aldo.
Para os atarefados rappers, a proposta de Bozic de
financiar um projeto televisivo que mostrasse o trabalho desses jovens músicos,
soava sincero. A música se distribuiria no entorno underground cubano em DVD
e unidades de memória. Era uma proposta atraente e Aldo a aceitou, informou
Bozic a Creative.
Artistas
travessos
“Los aldeanos” se apresentaram no povoado de
Candelaria no dia 5 de junho de 2009. Diante de cerca de 150 fãs, cantaram raps
sobre a censura e o fato de que os proibiram de se apresentarem em público na
capital. Bozic e sua equipe gravaram a apresentação do concerto.
A polícia chegou depois da última canção.
Procuravam os músicos que estavam cantando “coisas contra-revolucionarias”. Enquanto
os rappers discutiam com os oficiais, Bozic e sua equipe de estrangeiros escaparam.
Aldo e o cinegrafista passaram a noite na prisão por “perturbar o público”, informou
o sérvio.
Para Bozic, a tensão com as autoridades era parte do
plano. O universo do hip-hop, escreveu, era “suficientemente
subversivo para ser extremadamente atrativo, e ao mesmo tempo não muito
perigoso para jogar nele”.
E um nível menor de repressão funcionaria ao seu
favor, disse à Creative: “As concentrações para confrontar a censura do hip-hop
têm um grande potencial”. Isso saiu diretamente de sua experiência com os estudantes
sérvios no ano 2000.
Em entrevista com a AP em Belgrado, Bojan Boskovic,
quem trabalha com Bozic, disse que os concertos de protesto estudantis
começaram como algo puramente cultural, mas gradualmente começaram a incluir mensagens
políticas. Ao final, disse, “todas as bandas que tocavam
diziam ‘necessitamos sair deste governo, e vocês podem fazê-lo, vamos”’.
Boskovic não quis comentar sobre seu trabalho em
Cuba, mas os documentos deixam claro que a visão da Creative era a longo prazo. Cuba estava
muito longe de ter a situação política que havia existido na Sérvia. Quando
iniciou o projeto de Cuba, um gerente da Creative falou de estar na metade do
caminho em um esforço que tardaria uma década.
Nesse sentido, Creative viu uma oportunidade
importante quando o cantor colombiano Juanes, uma estrela de rock, anunciou que
tocaria em um concerto na Havana em setembro de 2009.
Os gerentes da Creative convocaram uma sessão de dois
dias em suas oficinas em San José, Costa Rica, para descobrir como conseguir a
colaboração de Juanes e outros artistas, entre eles os conhecidos cantores
Silvio Rodríguez e Pablo Milanés. Pensaram que, ao vincular Aldo com estrelas
internacionais, seriam reduzidas as probabilidades de que os cubanos
terminassem presos pelas suas letras contra-revolucionárias.
A sessão foi liderada por Xavier Utset, um veterano
dos esforços anti-castristas que havia dirigido o programa para a Creative
Associates. Sua agenda dizia: “que material precisamos para fazer que
Juanes ‘venda’ a nossa idéia?”.
Creative utilizou-se de seu nascente programa de
redes sociais, ZunZuneo, para enviar centenas de milhares de mensagens de texto
que perguntavam aos cubanos se “Los aldeanos” deviam tocar com “Juanes” no concerto.
Nem sequer os rappers conheciam a origem das mensagens.
A super-estrela colombiana se absteve de convidá-los
à apresentação, mas aceitou se reunir com eles após o espetáculo.
No dia do concerto, a gerente do grupo os convidou para
sua habitação. Era a primeira vez que os rappers entravam em um hotel, disse ela.
“Divertiam-se muitíssimo com a ducha e pedindo
comida para o quarto”, lembrou Melisa Riviere em uma entrevista. Aldo ficou tão
impressionado que mais tarde gravou uma canção chamada “Hotel Nacional”.
Quando “Juanes” terminou o concerto, agradeceu a “Los
aldeanos”, algo que a Creative esperava que os ajudasse a se protegerem da pressão
do governo. Posteriormente, o artista colombiano os convidou a seu quarto de
hotel, onde Riviere tirou uma foto dele posando com Aldo, seu colega rapper
Bian Rodríguez e seu colaborador intermitente Silvito “O livre” Rodríguez,
filho do legendário trovador Silvio Rodríguez.
Foi um momento estelar para eles: “Los aldeanos” já não eram uma banda local desconhecida. Agora
tinham uma foto para prová-lo.
“Isso deu imediatamente a “Los aldeanos” uma projeção
sem precedentes”, disse Riviere, quem nesse momento não percebeu que a imagem se
encaixava perfeitamente nos planos de Bozic.
Ainda que tivessem se reunido varias vezes, o sérvio
havia feito um grande esforço com o intuito de ocultar suas conexões com todos os
envolvidos.
A Creative estava operando com centenas de milhares
de dólares em salários e em custos operativos, incluídos os equipamentos de vídeo
e os computadores.
Para ocultar o dinheiro que era entregue ao sérvio,
a Creative criou uma companhia fantasma no Panamá, chamada “Salida”, que era dirigida por um advogado
em Liechtenstein. O nome de Bozic não aparecia, mas possuía um poder
notarial como demonstrado por um documento que devia permanecer em segredo, mas
que a AP conseguiu.
“Um grande problema”
Adrián Mozón
Apesar de sua nova fama, Aldo foi preso novamente na
semana seguinte ao concerto de setembro de 2009. Desta vez foi por posse ilegal
de um computador.
A equipe da Creative soube da noticia por meio de
Adrián Monzón, um produtor e apresentador cubano de vídeos que era o “contato
de maior confiança” na ilha, conforme mostram os documentos.
Monzón, quem os documentos assinalam como o único
cubano que sabia o que estava acontecendo e a quem a Creative pagava, informou sobre
a prisão de Aldo durante um chat com seus supervisores.
“TENS QUE MUDAR TUA senha/nome de chat para caso
apreendam o seu computador, isso é um PROBLEMA GRANDE”, escreveu o supervisor.
Enquanto os contratantes de USAID estudavam como
tirar Aldo da prisão, tiveram outro golpe de sorte.
Silvio Rodríguez, o pai do colaborador musical de
Aldo, chamou, a pedido de um familiar do rapper, e sem conhecer o tema a fundo, um amigo no
Ministério de Cultura, lembrou o trovador em uma entrevista com a AP na Havana.
Silvio pediu que lhe devolvessem o computador ao jovem, dizendo: “Veja, si há
algum problema, diga-lhes que o computador foi um presente meu”.
Isso conseguiu tirar Aldo da prisão, mas os
documentos mostram que a polícia demorou um tempo antes de devolver-lhe o
computador. A Creative se preocupava com a possibilidade de que houvesse emails
que provocassem suspeitas sobre o projeto televisivo. Ainda que Aldo não
soubesse o que estava acontecendo, as autoridades cubanas poderiam perceber.
Então foi a vez de Bozic. Em novembro de 2009 foi
detido quando chegava a Cuba com “tudo o que Best Buy vende em sua mochila”, computadores
e equipamentos de vídeo para artistas e cinegrafistas, disse Bozic a um
ex-contratante da USAID, quem narrou a conversa com a condição de não ser
identificado, para não afetar o seu trabalho.
A polícia apreendeu os equipamentos, incluída uma
unidade de memória com documentos “que tinham muita informação”, escreveu um
gerente da Creative. Bozic se foi embora antes do planejado. Em um chat, no
começo de dezembro, a Creative disse a Monzón que o sérvio não voltaria à ilha.
Poucas semanas depois que Bozic saísse de Cuba, as
autoridades da ilha prenderam o cidadão estadunidense Alan Gross, outro
contratante da USAID que trabalhava em outro programa secreto. Gross foi
sentenciado a 15 anos de prisão.
Como Bozic tinha ido embora, o projeto ficava nas
mãos de Monzón, o único contato da Creative na ilha que conhecia sua verdadeira
missão.
Monzón colocou suas mãos à obra. Viajou pela ilha em
busca de artistas. A final de contas, identificou aproximadamente 200 “jovens com
consciência social” e os conectou com uma rede chamada TalentoCubano.net. Os
gerentes da Creative esperavam que o “mapa”, como o chamavam, pudesse criar um
“movimento social”.
Entretanto, no mês de janeiro de 2010, Monzón já
sentia a pressão: depois que um fotógrafo que trabalhava no projeto foi detido,
Monzón recebeu uma visita da polícia.
“BB acordou”, disse Monzón em um chat, usando o
código da equipe para se referir à Segurança de Estado cubana.
As autoridades o levaram em uma visita não tão
voluntaria a um museu da Havana para conversar. Estavam preocupados com o Festival EXIT, o festival de música
anual que Bozic ajudava a produzir na Sérvia e tinham suspeitas sobre
TalentoCubano, reportou Monzón ao sérvio. “O fato é que estão MUITO
preocupados com vocês” e a possibilidade de que seja um plano da CIA para
“destruir a revolução”.
Mais tarde, no mesmo mês, Monzón viajou de avião com
um grupo de músicos jovens de seu projeto TalentoCubano para uma “capacitação
de liderança” na Europa, quando na realidade era para
preparar ativistas. Monzón promoveu seu portal de internet em uma atividade
pública, definida por um documento da Creative como “uma grande fachada (para se
proteger) das autoridades, na ilha”.
Os jovens músicos, que não conheciam o verdadeiro
objetivo do projeto, passaram um mês em Amsterdam e Madrid estudando assuntos
como enquetes e marketing de guerrilha, e lhes ensinaram a realizar campanhas para
pintar grafites que destacassem sensíveis temas políticos.
Quatro meses depois, em julho de 2010, “Los
aldeanos” chegaram à Sérvia para participar no Festival EXIT, sua primeira viagem
fora da ilha. Também receberam a capacitação.
“Acreditas que o training conseguiu focá-los um pouco
mais no seu papel como atores de mobilização social?”, perguntou Utset em um
chat com Monzón.
“Sim”, respondeu ele. “Agora viram que há outras pessoas
em outros lugares lutando também, inclusive em condições piores”.
E agregou: “os sérvios todo o tempo te dizem ‘se o
fizemos na Sérvia, COM CERTEZA que o podem fazer em Cuba”’.
Uma conexão “alucinante”
A equipe da Creative decidiu então infiltrar um
festival artístico e musical local organizado pela família do conhecido
trovador Pablo
Milanés.
Os contratantes pagaram 15.000 dólares para
financiá-lo e, assim, seria possível dar destaque aos artistas de
TalentoCubano. A missão verdadeira era semear “novas idéias na mente dos
organizadores” e persuadi-los a enviar “mensagens de alto impacto” à audiência,
dizia um informe.
O esforço quase sai dos trilhos em agosto de 2010 quando
Bozic fez uma transferência bancária desde a Europa. O
programa da USAID era tão secreto que, inclusive, surpreendeu o Departamento do
Tesouro dos Estados Unidos, que suspendeu a transação por suspeitas de que
violava o embargo à ilha.
Entretanto, o governo cubano já estava desbaratando
o plano. Suylen Milanés, filha de Pablo Milanés, disse que funcionários [do
Estado cubano] chegaram no dia antes do festival e lhe advertiram que se estava
juntando com pessoas indesejáveis. Inclusive lhe mostraram cópias dos emails de
Bozic, que classificaram como suspeitos, lembrou em uma entrevista. Pablo
Milanés não quis comentar sobre o assunto.
Posteriormente, a Creative passou a perseguir um
plano ainda mais audaz: persuadir uma instituição oficial cubana a participar no
Festival EXIT na Sérvia, enviando um membro da família de Fidel Castro.
Bozic tinha conhecido um parente da filha de Raúl
Castro, Mariela Castro, diretora do Centro Nacional de Educação Sexual
(CENESEX).
Em um chat com a Creative, Bozic propôs se aliar com
ela, o que causou euforia. “Isto é incrível, pensar que possamos trabalhar com a
própria família do Raúl”, escreveu um gerente.
O CENESEX aceitou participar sem saber do plano
secreto, mostram os documentos.
Utset pensou que era algo grande. O Festival EXIT
seria muito menos suspeito para as autoridades cubanas, escreveu, caso uma
funcionaria cubana o respaldasse.
Mariela Castro disse à AP que o instituto que ela
dirige enviou dois representantes ao festival, mas que não se envolveram mais
porque esse evento “não tinha nada a ver com o nosso trabalho”.
¡Viva Cuba Livre!
Ao retornar à Havana, “Los aldeanos” foram convidados
a atuar no Festival Rotilla, o maior festival de música eletrônica na ilha,
que é realizado em agosto.
O festival de três dias tinha crescido, de uma festa na praia perto de Havana, em 1998, até ser considerado o maior festival independente de música da ilha.
O festival de três dias tinha crescido, de uma festa na praia perto de Havana, em 1998, até ser considerado o maior festival independente de música da ilha.
Em agosto de 2010, Rotilla atraiu a maior multidão de sua história, umas 15.000 pessoas.
“Los
aldeanos” não se contiveram e criticaram funcionários do governo com palavrões da
fala popular, além de zombar da polícia, que certamente os estava observando.
“A polícia me inspira pena em vez de ódio, porque
são tão comemierdas [fracassados] que
nem sequer se dão conta que são vítimas do sistema. Viva Cuba Livre” expressou o
colega de Aldo. E a multidão comemorava.
Para a Creative foi uma vitória… mas durou pouco.
No ano de 2011, as suspeitas do governo lhes
dificultavam operar. Mas, apesar dos claros sinais de
alerta de que as autoridades cubanas estavam cientes da situação, a equipe
continuou correndo riscos e cometendo os mesmos erros.
Inclusive em Miami lhes preocupava que a inteligência
cubana os estivesse vigiando. Em abril, Monzón viajou a essa cidade para realizar
uma reunião, e Utset disse que iria sigilosamente a um escritório alugado para evitar
ser visto com os outros conspiradores, conforme mostram os documentos.
Como era de se esperar, Monzón foi detido ao retornar
a Cuba. Apreenderam-lhe o computador e uma unidade de memória. Mais uma vez, os
conspiradores não sabiam que nos dispositivos havia informação que os
comprometia.
Mas seguiram adiante e criaram um emaranhado método
para financiar, em segredo, os artistas de TalentoCubano.
Bozic queria que a Creative entregasse dinheiro a um
amigo croata, que o “doaria” à organização caritativa de um amigo britânico. Essa
organização, então, enviaria o dinheiro a Monzón, para os músicos, tudo isso sem
informar a junta diretora da entidade caritativa.
Mas para a Creative a sorte estava acabando. O plano
se desbaratou e logo aconteceu o mesmo com o projeto do hip-hop.
Quando devolveram a
Monzón seus equipamentos, notou um contrato que não tinha visto e que o
vinculava claramente tanto à Creative como à companhia de fachada do
Panamá. Seu plano
secreto havia ficado exposto.
O pecado original
Em 2010, o Festival Rotilla parecia uma das conquistas
que valia a pena continuar desenvolvendo. Mas antes que a edição seguinte pudesse
ser realizada, os organizadores foram informados pelas as autoridades cubanas
que estas tomariam o controle do mesmo.
Um contratante da Creative advertiu que as
autoridades cubanas sabiam que Bozic e seus colegas “estavam recebendo dinheiro
da USAID” e que tratavam de derrubar o governo como fizeram
com Milosevic no ano 2000.
O Festival Rotilla tinha raízes independentes, mas os
documentos mostram que Bozic e a fundação EXIT o estavam apoiando desde 2006, período
em que cresceu muito.
Em uma entrevista no domingo em Havana, o fundador
de Rotilla, Michel Matos, asseverou que se sentia orgulhoso de seu papel no
festival, mas ficou pasmo ao saber que o sérvio estava trabalhando para a
USAID, e disse que nunca teria recebido conscientemente dinheiro do governo dos
Estados Unidos para atividades com fins políticos.
“Se eu trabalho com um norte-americano, recebo dinheiro
do governo norte-americano… para fazer ações culturais em Cuba… não é que eu
tenha um problema apenas com o governo cubano, tenho um problema com os
cubanos. Esse é o pecado original em Cuba”, disse Matos.
Silvio
Rodríguez também se mostrou igualmente surpreso.
“Me surpreende completamente. Nunca imaginei que pudesse
existir (um programa assim). Quando à gente nos revelam que a gente poderia
estar no meio de uma conspiração, a gente se surpreende”.
Rotilla tinha sido exatamente o que o governo
estadunidense tratava de impulsionar: uma iniciativa cultural orgânica
independente das autoridades cubanas. Em seu lugar, a USAID deu-lhe ao governo
cubano uma razão para acabá-lo.
De repente, Aldo se deu conta de que viver como rapper
na ilha era impossível. O governo intensificou a censura, disse em entrevistas
recentes, e proibiu a atuação de “Los aldeanos”. Hoje, o universo do hip-hop
cubano, que chegou ao seu auge com esse grupo, tem perdido impulso.
Aldo, que agora tem 31 anos, mudou-se a Tampa,
Florida, onde ainda canta, mas sua música é, agora, menos dura.
Aldo se recusou a discutir o motivo pelo qual o
vincularam ao projeto. “Tenho a consciência tranquila”, disse à AP.
Adrián Monzón mudou-se para Miami, onde trabalha em
um Papa John’s.
Bozic, o sérvio, continuou trabalhando em projetos na
Tunísia, Ucrânia, Líbano e Zimbábue. Recusou-se a comentar sobre sua operação em
Cuba.
Xavier Utset, o organizador dos projetos do
“Twitter cubano” e da penetração do universo do hip-hop na ilha, recusou-se a
comentar. Deixou seu emprego na Creative por um emprego federal.
Agora foi trabalhar com a USAID.
Após a leitura
do artigo, que mostra que são permitidos eventos culturais independentes em
Cuba, fica claro o que alguém precisa fazer para ser “censurado”, em Cuba.
Promover uma
ascensão extremamente acelerada da fama de um artista ou grupo de artistas, inculcando-lhes
determinados pensamentos políticos, a partir da criação de oportunidades que
são inacessíveis para outros artistas, nada mais é que promover uma corrupção indireta.
Esses
artistas, que passam a ter uma fama repentina e que, em alguns casos, recebem estímulos
materiais diretos para criticarem o governo, não podem, assim, representar os anseios
legítimos do povo cubano.
De quem são
os interesses que eles representam?
Artigo original:
Equipe do blog Fuzil
contra Fuzil
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