segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

EUA utilizou rappers para mudança de regime em Cuba: Investigação de Associated Press


       Uma das mais difundidas críticas contra países que apresentam, de alguma forma, algum tipo de resistência aos interesses norte-americanos, refere-se à “censura” e à “falta de liberdade de expressão”. É o caso de países como Cuba, a República Popular Democrática da Coréia, Irã, entre outros. A “censura” e a “falta de liberdade de expressão” são colocadas como a manifestação de como esses países não são “democráticos”.

Tal crítica, evidentemente, não é difundida, ou sequer ocorre, quando se trata de países que estão alinhados aos interesses norte-americanos, mesmo que esses possam ter um forte controle sobre os meios de comunicação em seus territórios. Tampouco é analisado: existem meios de comunicação democráticos e liberdade de expressão quando estes pertencem a algumas poucas famílias?

O artigo a seguir, referente, especificamente, a Cuba, não tratará diretamente dessas questões, mas tem grande valor para compreender o verdadeiro sentido e os verdadeiros interesses por trás dessas críticas.

O artigo abaixo mostra uma das estratégias do governo norte-americano para criar contradições dentro da sociedade cubana, a partir da guerra ideológica no campo da cultura.  


Retirado de www.cubadebate.cu
Traduzido pela equipe do blog Fuzil contra Fuzil

EUA utilizou rappers para mudança de regime em Cuba: Investigação de Associated Press
11 de dezembro de 2014

“O rap é guerra.”

 HAVANA (AP) — No início de 2009, um contratante de uma entidade federal dos Estados Unidos enviou um promotor musical a Cuba com a ordem de recrutar um dos rappers mais conhecidos da Havana para desatar um movimento juvenil contrário ao governo cubano.

Tratava-se de um projeto, na Cuba comunista, que poderia ter levado à prisão o promotor sérvio Rajko Bozic. Assim, quando fez sua proposta ao artista Aldo Rodríguez, Bozic não lhe mencionou suas verdadeiras intenções, nem que estava trabalhando para a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).

Com seu penteado rasta, seu corpo musculoso e tatuado, Aldo era um herói no mundo ‘underground’ do hip-hop cubano, pelas letras de suas canções que protestavam contra o controle do governo cubano sobre aspectos da vida diária, em músicas como “El rap es guerra”, palavras que tem tatuadas em um dos antebraços.

Ele e seu grupo, “Los aldeanos”, estavam prestes a entrar, sem sabê-lo, em um enfrentamento entre Washington e a Havana, de acordo com o que é mostrado em milhares de páginas de documentos obtidos por The Associated Press e em dezenas de entrevistas. No momento em que o governo cubano dirigia seu olhar ao grupo de Aldo — seu primeiro álbum chamou-se “Censurado”— Bozic foi enviado para subir o volume de suas músicas de protesto.

O projeto secreto da USAID e dos artistas de hip-hop cubanos tratava de disseminar uma “revolução democrática”, mas, como outras operações estadunidenses na ilha, foi desenvolvido por simples fanáticos.

Documentos mostram que a USAID colocou em perigo cubanos inocentes e seus próprios contratantes apesar de que havia claros sinais de alerta. As autoridades detiveram ou interrogaram músicos ou operativos da USAID e lhes confiscaram várias vezes seus computadores e unidades de memória, que em alguns casos continham material que os vinculava com a entidade federal estadunidense.

Em uma declaração escrita, a USAID disse que esses programas eram parte de um contrato de quatro anos que terminou em 2012, mas negou que fossem clandestinos.

“Qualquer afirmação de que nosso trabalho é secreto ou encoberto é simplesmente falsa”, disse à USAID em um comunicado na quarta-feira. Seus programas tinham como fim fortalecer a sociedade civil “frequentemente em lugares onde a participação cidadã é oprimida e onde as pessoas são perseguidas, presas, submetidas a lesões físicas ou coisas piores”.

Creative Associates se absteve de fazer comentários.

A operação funcionou de maneira simultânea com outros dois programas da USAID revelados previamente pela AP este ano: o lançamento de uma espécie de “Twitter cubano” chamado ZunZuneo; e outro programa que enviou à ilha jovens latino-americanos com o intuito de provocar disparidades, que também incluiu elaborados artifícios para ocultar tais atividades, como a criação de uma organização de fachada e um exótico emaranhado financeiro para ocultar a participação norte-americana.

A USAID focou seus esforços em alguns dos mais destacados músicos cubanos, entre eles dois de seus ícones com vínculos com o governo, Silvio Rodríguez e Pablo Milanés e, inclusive, em um membro da família de Fidel Castro.

Rajko Bozic.

Como mostram os documentos, tudo girava em torno de uma estratégia de manipulação sutil. Bozic, com seu cabelo negro curto e seu sorriso sarcástico, foi contratado pela Creative Associates International, uma companhia que assinou um contrato milionário com a USAID. Seu objetivo: tomar as rédeas do movimento hip-hop da ilha “para ajudar a juventude cubana a romper o bloqueio informativo” e criar “redes juvenis para a mudança social”.

Os contratantes de Creative contratariam Aldo e outros músicos cubanos para desenvolver projetos que aparentemente eram iniciativas culturais, mas que, na realidade, tinham como objetivo impulsionar sua visibilidade e estimular seus fãs a desafiar o governo cubano. O trunfo era fazê-lo sem que os prendessem.

Ainda que pareça inverossímil que os Estados Unidos se valessem da música para gerar resistência ao governo de Raúl Castro, havia um precedente: o projeto de Bozic inspirou-se em concertos de protesto do movimento estudantil que ajudou a derrubar o então presidente sérvio Slobodan Milosevic no ano 2000.

Bozic tinha estudado o universo do hip-hop cubano e chegou à conclusão de que, por ser uma fonte de divergências, oferecia uma oportunidade pouco comum, com potencial para desenvolver a missão de promoção da democracia da USAID.

“Permanentemente, alguns dos artistas interpretam canções que transbordam irritação, que criticam com força o regime”, escreveu Bozic após uma viagem em 2009.

Mas o projeto hip-hop era difícil de ocultar. Bozic trabalhava em cenários públicos em um país onde a música está inextricavelmente unida à política e à vida cotidiana.

O governo já estava cancelando as apresentações de hip-hop e inclusive havia criado uma agencia para regular o hip-hop: A Agencia Cubana do Rap.

“Não devemos subestimar o potencial do governo para reconhecer o perigo”, disse Bozic à Creative em um memorando.

Bozic notou que os músicos cubanos estavam abertos a receber ajuda do exterior, mas se mostravam receosos dos Estados Unidos. Qualquer um que fosse descoberto participando em uma operação de USAID poderia ir parar na prisão. O financiamento era um assunto “a ser discutido somente com contactos de alta confidencialidade”, escreveu Bozic.

Assim, o sérvio disse a Aldo que trabalhava em meios alternativos e marketing. Os dois conversaram no terceiro andar de um apartamento que Aldo compartilhava com a sua mãe, desde onde era possível ver o Zoológico da Havana. Mas foram a um bar para evitar o incômodo do telefone do rapper, que não parava de tocar. Parecia que todos tinham algo que gostariam de pedir a Aldo.

Para os atarefados rappers, a proposta de Bozic de financiar um projeto televisivo que mostrasse o trabalho desses jovens músicos, soava sincero. A música se distribuiria no entorno underground cubano em DVD e unidades de memória. Era uma proposta atraente e Aldo a aceitou, informou Bozic a Creative.

Artistas travessos

“Los aldeanos” se apresentaram no povoado de Candelaria no dia 5 de junho de 2009. Diante de cerca de 150 fãs, cantaram raps sobre a censura e o fato de que os proibiram de se apresentarem em público na capital. Bozic e sua equipe gravaram a apresentação do concerto.

A polícia chegou depois da última canção. Procuravam os músicos que estavam cantando “coisas contra-revolucionarias”. Enquanto os rappers discutiam com os oficiais, Bozic e sua equipe de estrangeiros escaparam. Aldo e o cinegrafista passaram a noite na prisão por “perturbar o público”, informou o sérvio.

Para Bozic, a tensão com as autoridades era parte do plano. O universo do hip-hop, escreveu, era “suficientemente subversivo para ser extremadamente atrativo, e ao mesmo tempo não muito perigoso para jogar nele”.

E um nível menor de repressão funcionaria ao seu favor, disse à Creative: “As concentrações para confrontar a censura do hip-hop têm um grande potencial”. Isso saiu diretamente de sua experiência com os estudantes sérvios no ano 2000.

Em entrevista com a AP em Belgrado, Bojan Boskovic, quem trabalha com Bozic, disse que os concertos de protesto estudantis começaram como algo puramente cultural, mas gradualmente começaram a incluir mensagens políticas. Ao final, disse, “todas as bandas que tocavam diziam ‘necessitamos sair deste governo, e vocês podem fazê-lo, vamos”’.

Boskovic não quis comentar sobre seu trabalho em Cuba, mas os documentos deixam claro que a visão da Creative era a longo prazo. Cuba estava muito longe de ter a situação política que havia existido na Sérvia. Quando iniciou o projeto de Cuba, um gerente da Creative falou de estar na metade do caminho em um esforço que tardaria uma década.

Nesse sentido, Creative viu uma oportunidade importante quando o cantor colombiano Juanes, uma estrela de rock, anunciou que tocaria em um concerto na Havana em setembro de 2009.

Os gerentes da Creative convocaram uma sessão de dois dias em suas oficinas em San José, Costa Rica, para descobrir como conseguir a colaboração de Juanes e outros artistas, entre eles os conhecidos cantores Silvio Rodríguez e Pablo Milanés. Pensaram que, ao vincular Aldo com estrelas internacionais, seriam reduzidas as probabilidades de que os cubanos terminassem presos pelas suas letras contra-revolucionárias.

A sessão foi liderada por Xavier Utset, um veterano dos esforços anti-castristas que havia dirigido o programa para a Creative Associates. Sua agenda dizia: “que material precisamos para fazer que Juanes ‘venda’ a nossa idéia?”.

Creative utilizou-se de seu nascente programa de redes sociais, ZunZuneo, para enviar centenas de milhares de mensagens de texto que perguntavam aos cubanos se “Los aldeanos” deviam tocar com “Juanes” no concerto. Nem sequer os rappers conheciam a origem das mensagens.

A super-estrela colombiana se absteve de convidá-los à apresentação, mas aceitou se reunir com eles após o espetáculo.

No dia do concerto, a gerente do grupo os convidou para sua habitação. Era a primeira vez que os rappers entravam em um hotel, disse ela.

“Divertiam-se muitíssimo com a ducha e pedindo comida para o quarto”, lembrou Melisa Riviere em uma entrevista. Aldo ficou tão impressionado que mais tarde gravou uma canção chamada “Hotel Nacional”.

Quando “Juanes” terminou o concerto, agradeceu a “Los aldeanos”, algo que a Creative esperava que os ajudasse a se protegerem da pressão do governo. Posteriormente, o artista colombiano os convidou a seu quarto de hotel, onde Riviere tirou uma foto dele posando com Aldo, seu colega rapper Bian Rodríguez e seu colaborador intermitente Silvito “O livre” Rodríguez, filho do legendário trovador Silvio Rodríguez.

Foi um momento estelar para eles: “Los aldeanos” já não eram uma banda local desconhecida. Agora tinham uma foto para prová-lo.

“Isso deu imediatamente a “Los aldeanos” uma projeção sem precedentes”, disse Riviere, quem nesse momento não percebeu que a imagem se encaixava perfeitamente nos planos de Bozic.

Ainda que tivessem se reunido varias vezes, o sérvio havia feito um grande esforço com o intuito de ocultar suas conexões com todos os envolvidos.

A Creative estava operando com centenas de milhares de dólares em salários e em custos operativos, incluídos os equipamentos de vídeo e os computadores.

Para ocultar o dinheiro que era entregue ao sérvio, a Creative criou uma companhia fantasma no Panamá, chamada “Salida”, que era dirigida por um advogado em Liechtenstein. O nome de Bozic não aparecia, mas possuía um poder notarial como demonstrado por um documento que devia permanecer em segredo, mas que a AP conseguiu.

 “Um grande problema”

Adrián Mozón  
Apesar de sua nova fama, Aldo foi preso novamente na semana seguinte ao concerto de setembro de 2009. Desta vez foi por posse ilegal de um computador.
A equipe da Creative soube da noticia por meio de Adrián Monzón, um produtor e apresentador cubano de vídeos que era o “contato de maior confiança” na ilha, conforme mostram os documentos.

Monzón, quem os documentos assinalam como o único cubano que sabia o que estava acontecendo e a quem a Creative pagava, informou sobre a prisão de Aldo durante um chat com seus supervisores.

“TENS QUE MUDAR TUA senha/nome de chat para caso apreendam o seu computador, isso é um PROBLEMA GRANDE”, escreveu o supervisor.

Enquanto os contratantes de USAID estudavam como tirar Aldo da prisão, tiveram outro golpe de sorte.

Silvio Rodríguez, o pai do colaborador musical de Aldo, chamou, a pedido de um familiar do rapper, e sem conhecer o tema a fundo, um amigo no Ministério de Cultura, lembrou o trovador em uma entrevista com a AP na Havana. Silvio pediu que lhe devolvessem o computador ao jovem, dizendo: “Veja, si há algum problema, diga-lhes que o computador foi um presente meu”.

Isso conseguiu tirar Aldo da prisão, mas os documentos mostram que a polícia demorou um tempo antes de devolver-lhe o computador. A Creative se preocupava com a possibilidade de que houvesse emails que provocassem suspeitas sobre o projeto televisivo. Ainda que Aldo não soubesse o que estava acontecendo, as autoridades cubanas poderiam perceber.

Então foi a vez de Bozic. Em novembro de 2009 foi detido quando chegava a Cuba com “tudo o que Best Buy vende em sua mochila”, computadores e equipamentos de vídeo para artistas e cinegrafistas, disse Bozic a um ex-contratante da USAID, quem narrou a conversa com a condição de não ser identificado, para não afetar o seu trabalho.

A polícia apreendeu os equipamentos, incluída uma unidade de memória com documentos “que tinham muita informação”, escreveu um gerente da Creative. Bozic se foi embora antes do planejado. Em um chat, no começo de dezembro, a Creative disse a Monzón que o sérvio não voltaria à ilha.

Poucas semanas depois que Bozic saísse de Cuba, as autoridades da ilha prenderam o cidadão estadunidense Alan Gross, outro contratante da USAID que trabalhava em outro programa secreto. Gross foi sentenciado a 15 anos de prisão.

Como Bozic tinha ido embora, o projeto ficava nas mãos de Monzón, o único contato da Creative na ilha que conhecia sua verdadeira missão.

Monzón colocou suas mãos à obra. Viajou pela ilha em busca de artistas. A final de contas, identificou aproximadamente 200 “jovens com consciência social” e os conectou com uma rede chamada TalentoCubano.net. Os gerentes da Creative esperavam que o “mapa”, como o chamavam, pudesse criar um “movimento social”.



Entretanto, no mês de janeiro de 2010, Monzón já sentia a pressão: depois que um fotógrafo que trabalhava no projeto foi detido, Monzón recebeu uma visita da polícia.

“BB acordou”, disse Monzón em um chat, usando o código da equipe para se referir à Segurança de Estado cubana.

As autoridades o levaram em uma visita não tão voluntaria a um museu da Havana para conversar. Estavam preocupados com o Festival EXIT, o festival de música anual que Bozic ajudava a produzir na Sérvia e tinham suspeitas sobre TalentoCubano, reportou Monzón ao sérvio. “O fato é que estão MUITO preocupados com vocês” e a possibilidade de que seja um plano da CIA para “destruir a revolução”.

Mais tarde, no mesmo mês, Monzón viajou de avião com um grupo de músicos jovens de seu projeto TalentoCubano para uma “capacitação de liderança” na Europa, quando na realidade era para preparar ativistas. Monzón promoveu seu portal de internet em uma atividade pública, definida por um documento da Creative como “uma grande fachada (para se proteger) das autoridades, na ilha”.

Os jovens músicos, que não conheciam o verdadeiro objetivo do projeto, passaram um mês em Amsterdam e Madrid estudando assuntos como enquetes e marketing de guerrilha, e lhes ensinaram a realizar campanhas para pintar grafites que destacassem sensíveis temas políticos.

Quatro meses depois, em julho de 2010, “Los aldeanos” chegaram à Sérvia para participar no Festival EXIT, sua primeira viagem fora da ilha. Também receberam a capacitação.

“Acreditas que o training conseguiu focá-los um pouco mais no seu papel como atores de mobilização social?”, perguntou Utset em um chat com Monzón.

“Sim”, respondeu ele. “Agora viram que há outras pessoas em outros lugares lutando também, inclusive em condições piores”.

E agregou: “os sérvios todo o tempo te dizem ‘se o fizemos na Sérvia, COM CERTEZA que o podem fazer em Cuba”’.

Uma conexão “alucinante”

A equipe da Creative decidiu então infiltrar um festival artístico e musical local organizado pela família do conhecido trovador Pablo Milanés.

Os contratantes pagaram 15.000 dólares para financiá-lo e, assim, seria possível dar destaque aos artistas de TalentoCubano. A missão verdadeira era semear “novas idéias na mente dos organizadores” e persuadi-los a enviar “mensagens de alto impacto” à audiência, dizia um informe.

O esforço quase sai dos trilhos em agosto de 2010 quando Bozic fez uma transferência bancária desde a Europa. O programa da USAID era tão secreto que, inclusive, surpreendeu o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, que suspendeu a transação por suspeitas de que violava o embargo à ilha.

Entretanto, o governo cubano já estava desbaratando o plano. Suylen Milanés, filha de Pablo Milanés, disse que funcionários [do Estado cubano] chegaram no dia antes do festival e lhe advertiram que se estava juntando com pessoas indesejáveis. Inclusive lhe mostraram cópias dos emails de Bozic, que classificaram como suspeitos, lembrou em uma entrevista. Pablo Milanés não quis comentar sobre o assunto.

Posteriormente, a Creative passou a perseguir um plano ainda mais audaz: persuadir uma instituição oficial cubana a participar no Festival EXIT na Sérvia, enviando um membro da família de Fidel Castro.

Bozic tinha conhecido um parente da filha de Raúl Castro, Mariela Castro, diretora do Centro Nacional de Educação Sexual (CENESEX).

Em um chat com a Creative, Bozic propôs se aliar com ela, o que causou euforia. “Isto é incrível, pensar que possamos trabalhar com a própria família do Raúl”, escreveu um gerente.

O CENESEX aceitou participar sem saber do plano secreto, mostram os documentos.

Utset pensou que era algo grande. O Festival EXIT seria muito menos suspeito para as autoridades cubanas, escreveu, caso uma funcionaria cubana o respaldasse.

Mariela Castro disse à AP que o instituto que ela dirige enviou dois representantes ao festival, mas que não se envolveram mais porque esse evento “não tinha nada a ver com o nosso trabalho”.

¡Viva Cuba Livre!

Ao retornar à Havana, “Los aldeanos” foram convidados a atuar no Festival Rotilla, o maior festival de música eletrônica na ilha, que é realizado em agosto.
O festival de três dias tinha crescido, de uma festa na praia perto de Havana, em 1998, até ser considerado o maior festival independente de música da ilha.

Em agosto de 2010, Rotilla atraiu a maior multidão de sua história, umas 15.000 pessoas. Los aldeanos” não se contiveram e criticaram funcionários do governo com palavrões da fala popular, além de zombar da polícia, que certamente os estava observando.

“A polícia me inspira pena em vez de ódio, porque são tão comemierdas [fracassados] que nem sequer se dão conta que são vítimas do sistema. Viva Cuba Livre” expressou o colega de Aldo. E a multidão comemorava.

Para a Creative foi uma vitória… mas durou pouco.

No ano de 2011, as suspeitas do governo lhes dificultavam operar. Mas, apesar dos claros sinais de alerta de que as autoridades cubanas estavam cientes da situação, a equipe continuou correndo riscos e cometendo os mesmos erros.

Inclusive em Miami lhes preocupava que a inteligência cubana os estivesse vigiando. Em abril, Monzón viajou a essa cidade para realizar uma reunião, e Utset disse que iria sigilosamente a um escritório alugado para evitar ser visto com os outros conspiradores, conforme mostram os documentos.

Como era de se esperar, Monzón foi detido ao retornar a Cuba. Apreenderam-lhe o computador e uma unidade de memória. Mais uma vez, os conspiradores não sabiam que nos dispositivos havia informação que os comprometia.

Mas seguiram adiante e criaram um emaranhado método para financiar, em segredo, os artistas de TalentoCubano.

Bozic queria que a Creative entregasse dinheiro a um amigo croata, que o “doaria” à organização caritativa de um amigo britânico. Essa organização, então, enviaria o dinheiro a Monzón, para os músicos, tudo isso sem informar a junta diretora da entidade caritativa.

Mas para a Creative a sorte estava acabando. O plano se desbaratou e logo aconteceu o mesmo com o projeto do hip-hop.

Quando devolveram a Monzón seus equipamentos, notou um contrato que não tinha visto e que o vinculava claramente tanto à Creative como à companhia de fachada do Panamá. Seu plano secreto havia ficado exposto.

O pecado original

Em 2010, o Festival Rotilla parecia uma das conquistas que valia a pena continuar desenvolvendo. Mas antes que a edição seguinte pudesse ser realizada, os organizadores foram informados pelas as autoridades cubanas que estas tomariam o controle do mesmo.

Um contratante da Creative advertiu que as autoridades cubanas sabiam que Bozic e seus colegas “estavam recebendo dinheiro da USAID” e que tratavam de derrubar o governo como fizeram com Milosevic no ano 2000.

O Festival Rotilla tinha raízes independentes, mas os documentos mostram que Bozic e a fundação EXIT o estavam apoiando desde 2006, período em que cresceu muito.

Em uma entrevista no domingo em Havana, o fundador de Rotilla, Michel Matos, asseverou que se sentia orgulhoso de seu papel no festival, mas ficou pasmo ao saber que o sérvio estava trabalhando para a USAID, e disse que nunca teria recebido conscientemente dinheiro do governo dos Estados Unidos para atividades com fins políticos.

“Se eu trabalho com um norte-americano, recebo dinheiro do governo norte-americano… para fazer ações culturais em Cuba… não é que eu tenha um problema apenas com o governo cubano, tenho um problema com os cubanos. Esse é o pecado original em Cuba”, disse Matos.

Silvio Rodríguez também se mostrou igualmente surpreso.

“Me surpreende completamente. Nunca imaginei que pudesse existir (um programa assim). Quando à gente nos revelam que a gente poderia estar no meio de uma conspiração, a gente se surpreende”.

Rotilla tinha sido exatamente o que o governo estadunidense tratava de impulsionar: uma iniciativa cultural orgânica independente das autoridades cubanas. Em seu lugar, a USAID deu-lhe ao governo cubano uma razão para acabá-lo.

De repente, Aldo se deu conta de que viver como rapper na ilha era impossível. O governo intensificou a censura, disse em entrevistas recentes, e proibiu a atuação de “Los aldeanos”. Hoje, o universo do hip-hop cubano, que chegou ao seu auge com esse grupo, tem perdido impulso.

Aldo, que agora tem 31 anos, mudou-se a Tampa, Florida, onde ainda canta, mas sua música é, agora, menos dura.

Aldo se recusou a discutir o motivo pelo qual o vincularam ao projeto. “Tenho a consciência tranquila”, disse à AP.

Adrián Monzón mudou-se para Miami, onde trabalha em um Papa John’s.

Bozic, o sérvio, continuou trabalhando em projetos na Tunísia, Ucrânia, Líbano e Zimbábue. Recusou-se a comentar sobre sua operação em Cuba.

Xavier Utset, o organizador dos projetos do “Twitter cubano” e da penetração do universo do hip-hop na ilha, recusou-se a comentar. Deixou seu emprego na Creative por um emprego federal.

Agora foi trabalhar com a USAID.
  
(Com informação de Associated Press)


Após a leitura do artigo, que mostra que são permitidos eventos culturais independentes em Cuba, fica claro o que alguém precisa fazer para ser “censurado”, em Cuba.

Promover uma ascensão extremamente acelerada da fama de um artista ou grupo de artistas, inculcando-lhes determinados pensamentos políticos, a partir da criação de oportunidades que são inacessíveis para outros artistas, nada mais é que promover uma corrupção indireta.

Esses artistas, que passam a ter uma fama repentina e que, em alguns casos, recebem estímulos materiais diretos para criticarem o governo, não podem, assim, representar os anseios legítimos do povo cubano.

De quem são os interesses que eles representam?


Artigo original:

Equipe do blog Fuzil contra Fuzil

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