sábado, 14 de fevereiro de 2015

Entrevista com a Secretária Nacional de Formação Político-ideológica da Federación Estudiantil Universitaria

         Reproduzimos aqui a entrevista do blog Fuzil Contra Fuzil com a companheira Yanet Romero Cobas, Secretária Nacional de Formação Politico-ideológica da Federación Estudiantil Universitaria (FEU) de Cuba, sobre essa organização.

 - Boa tarde, Yanet. Gostariamos que você nos explicasse como surgiu e qual era a função da FEU quando foi criada.


(Yanet) - Bem, a FEU foi criada no ano de 1922 e seu fundador foi Julio Antonio Mella (1). A formação da Federação está muito relacionado à reforma universitária de Córdoba (2), na Argentina, e as questões por ela levantada. Em Cuba começa a criar-se um movimento ao redor desse fenômeno, que desemboca na fundação e no primeiro congresso da organização.

Yanet Romero Cobas
No início, a FEU surgiu com outro interesse e visão, tratava-se sobretudo de representar os estudantes, mas também lutar pela reforma universitária e possibilitar a aproximação da universidade em relação ao povo e da comunidade em geral. Ainda, além de todas essas tarefas, o movimento estudantil lutava pela independência de Cuba, visto que naquele contexto os governos que mandavam no país representavam os interesses dos Estados Unidos. Tratava-se de conquistar uma soberania dentro da Universidade e para a sociedade cubana.

 - E qual papel a FEU desempenhou na Revolução?

(Yanet) - Eu acredito que a história da FEU não pode ser separada da história da Revolução. A partir do ano de 1922, quando se funda a FEU, todos nós do movimento estudantil fizemos parte das diferentes correntes dos movimentos de luta gerados pelo povo cubano. Na realidade, os maiores líderes da Revolução saíram da luta na universidade. Fidel Castro, Raul Castro e outros que atualmente estão ocupando cargos de direção no país, saíram dessa luta. Inclusive, Fidel disse sobre a universidade "aqui me fiz revolucionário".

Durante os anos 20, depois, em outra etapa nos anos 30, no período de efervescência dos anos 40, e marcadamente nos anos 50, quando se realça o papel da FEU na luta, o movimento estudantil esteve bastante presente. Inclusive, a FEU possuía Diretórios Revolucionários (3), outra força que apoiava a luta, da qual muitos dirigentes e estudantes subiram as montanhas, a Sierra Maestra, para lutar também. Entretanto, não foi só na Sierra Maestra que os estudantes atuaram, pois, nas cidades, principalmente em Havana, muitos deles participaram da luta clandestina.

Foi por conta dos estudantes e todo o povo de forma geral que se conseguiu o triunfo revolucionário em 1º de janeiro de 1959.

 - E como se organiza a FEU atualmente?

(Yanet) - Atualmente a FEU está estruturada da base até o nível nacional da seguinte forma: na base, está estruturada nas diferentes faculdades, e nas faculdades está a estrutura primária, as brigadas. As brigadas são como grupos de uma classe. Também existe o conselho das brigadas dessa faculdade, que é direção da FEU nessa faculdade, integrado pelos presidentes das brigadas e o secretário a nível de faculdade.

Também existe o secretário a nível de Universidade, que é o representante da FEU a nível da Universidade, e o secretariado a nível nacional da FEU. A nível nacional, existe um conselho nacional que está representado por todas províncias do país e que toma as decisões durante o período em que não há congresso, esse conselho se reúne anualmente. Já o congresso é realizado a cada 4 anos e é o órgão máximo de decisão.

 - Quais são as transformações depois da revolução, tanto no objetivo, como na organização da FEU?

(Yanet) - Depois do trinfo da Revolução as missões da FEU passaram a ser outras, pois já não era necessário lutar pela educação pública e gratuita, porque já tínhamos essa conquista, isso já não era mais um problema. A Revolução nos impulsionou a realizar atividades no meio estudantil, que desenvolvêssemos o movimento desportivo, o movimento cultural, e que vinculássemos a universidade com a sociedade. Ou seja, que saíssemos da universidade e realizássemos atividades com a comunidade e trabalhássemos, por exemplo, nos bairros mais necessitados. A nível acadêmico, nos impulsionou a seguir construindo e melhorando a própria universidade e a qualidade da docência, ao exigir dos professores aulas melhores etc.

No ano de 1962 houve uma reforma universitária, já não como a de 1922, mas uma reforma mais no sentido de que dentro da universidade estivessem professores revolucionários e que as matrículas fossem justas. No ano de 1962, quando foi eleita a direção com a qual estivemos há poucos dias (4), começou o plano de becas universitárias, que é o plano de criação de residências estudantis nas quais pudessem ficar os estudantes. São grandes edifícios que as universidades fazem para que os estudantes que não são da cidade possam cursar sua carreira sem ter que se preocupar com outras coisas, pois têm, ali, gratuitas, alimentação, hospedagem e outras coisas. É no ano de 1962 que se inicia tal plano e essa série de serviços gratuitos.

No último congresso, dentre as resoluções e planos que aprovamos, está o tema de seguir aproximando mais os universitários à comunidade. São o que chamamos de Tarefas de Impacto Social, nas quais reunimos estudantes das diversas especialidades para apoiar as comunidades, com temas como a cultura jurídica, a cultura econômica, bem como a cultura em geral. Fazemos isso porque sabemos que há bairros em que  não há o mesmo desenvolvimento cultural de outros. Também, a universidade deve apoiar o desenvolvimento da recreação, dos espaços de diálogo e de debate.

Sobre esses espaços, nós acreditamos ser importante que os estudantes tenham essa oportunidade de dialogar com as personalidades de diferentes áreas. Inclusive, quando os diversos Ministros estiveram nas universidades, nós insistimos que eles deveriam trocar experiências com os estudantes, que os estudantes pudessem conversar diretamente com eles para expressar suas inquietudes. Temos trabalhado bastante nisso desde o último congresso da FEU.

No mês passado, recém finalizamos um encontro de estudantes de ciências médicas e também realizamos o Fórum Nacional de História, para promover o estudo da história de Cuba, da América Latina e a História universal. Nesse sentido, nós realizamos uma série de eventos, dirigimos as coisas orgânicas como o funcionamento e organização. Também realizamos festivais nacionais de artistas profissionais, o que envolve todo o tema cultural; um evento nacional desportivo e atividades na esfera do movimento científico.

Tudo isso na perspectiva da universidade cubana, que os  estudantes se formem de maneira integral. A intenção, tanto do Ministério da Educação Superior, como da FEU, é que os estudantes sejam bons tanto na docência, como também participem da vida cultural, esportiva e científica, e que compartilhem também com suas comunidades. Como dizia Julio Antonio Mella "Há que descer a colina universitária (as escadarias), e vincular-se mais com o povo", para que seja não uma universidade de elite, mas sim uma universidade popular.

 - A FEU se relaciona com outros movimentos, como organizações de massa, políticas e sociais? Como é essa relação?

(Yanet) - Aqui em Cuba, pela estrutura e pelo próprio sistema político que existe, todas as organizações colaboram e se vinculam entre si. Atualmente, nós trabalhamos em conjunto principalmente com os movimentos juvenis que formam parte da União de Jovens Comunistas. Dentre elas a Federación de Estudiantes de la Enseñanza Media (FEEM) (5), que representa os secundaristas, o Movimento Juvenil Martiano e a Brigada de Instrutores de Arte. Além dessas, do movimento de jovens, há organizações como a Federação de Mulheres Cubanas, e os CDRs (os Comitês de Defesa da Revolução), que são as organizações de base dos bairros, com as quais temos trabalhado nas tarefas de impacto social, bem como atividades conjuntas em seus congressos. Também, com a Associação de Historiadores de Cuba; o Instituto de Rádio e Televisão de Cuba, desde as quais temos acesso a Televisão e a Rádio no país; e também fazemos atividades com as forças armadas. Ou seja, temos que trabalhar e nos relacionar com todas as organizações, e tudo flui muito bem. O que acontece aqui em Cuba, ainda que tenhamos funções diferentes, é que todos trabalham com o mesmo fim: seguir transformando e avançando com o processo revolucionário.

 - E como a FEU se financia? Ela obtém algum subsídio do Estado ou é "auto-financiada" por seus integrantes?

(Yanet) - A FEU se mantém das duas formas, pelos membros, sendo cerca de 120 mil integrantes, que contribuem, cada um, com 3 pesos, o que, de fato, não é uma grande quantia, e também recebendo subsídios do Estado, através da União de Jovens Comunistas, que nos ajudam a realizar toda essa série de eventos e cada atividade que realizamos nos diversos lugares.

 - Como a FEU se relaciona com a União de Jovens Comunistas e com o Partido Comunista de Cuba?

(Yanet) - Realmente as relações são muito boas. A FEU identifica, inclusive está plasmado em nossos estatutos, que a UJC é a guia, a vanguarda política da FEU. Nossa condutora política é a UJC, e dentro dessa mesma abordagem, como lhes dizia, na qual somos todos o mesmo, na universidade isso também ocorre. Metade de nossos universitários são militantes da juventude, ou seja, o estudante membro da FEU é o mesmo estudante membro da juventude. Não há qualquer contradição, visto que estamos nos mesmos centros e as duas organizações convergem. O que ocorre é que a FEU é uma organização de massas e a UJC é uma organização política, seletiva. Na UJC não é qualquer um que pode ser membro, pois existem certas condições, a pessoa tem de ser uma pessoa de vanguarda. Já a FEU é de todos que querem integrá-la. As relações entre as direções são muito boas e facilitam muitos projetos que realizamos. Já quanto ao Partido, que dessa mesma escala de relações é quem dirige a Juventude, nossas relações são muito boas em todas as esferas, desde a base até nível nacional. A função que o Partido assume é de nos guiar, nos orientar e nos ajudar. Minha visão, bem como a do secretariado da organização, é de que as relações são harmônicas e funcionais.

 - E todo estudante universitário é da FEU?

(Yanet) - Na realidade, como explicava, a FEU é uma organização massiva e voluntária. Portanto, se o estudante deseja ele pode integrar a FEU. No primeiro ano, quando o estudante entra na universidade, ele é explicado acerca do que é a organização, sobre as atividades que ela realiza, então ocorre o processo de ingresso. No dia 30 de setembro de cada ano temos o ato de entrega das carteiras da FEU, normalmente todos participam. Ainda, pode ocorrer de haver um estrangeiro, que também pode se integrar, mas sempre se estiver de acordo com sua vontade.

Dentro da universidade não pedimos as carteiras quando realizamos nossas atividades, nos preocupamos com todos os estudantes, sejam ou não da FEU.

 - E como são definidos os dirigentes e os delegados da FEU?

(Yanet) - O processo eleitoral da FEU se realiza a cada ano e também começa no mês de setembro. Começam as eleições nas brigadas, que é a estrutura básica, e daí se elegem os líderes dessas brigadas e também se elaboram as propostas para a faculdade. Depois, ocorre a eleição a nível de faculdade, na qual são expostas os dados dos estudantes propostos, sua biografia e sua trajetória. Nessas eleições, a nível de faculdade, votam todos os estudantes. Posteriormente, para as eleições na universidade, se apresentam as propostas das faculdades e se cria uma comissão de candidatura. Igualmente a eleição na faculdade, votam todos os estudantes. Já a nível nacional, visto que é impossível que todos os estudantes votem, são votados ou no congresso, quando há congresso, ou no conselho nacional da FEU, pelos representantes que vem de todas as províncias. Todos os anos ocorrem eleições e os dirigentes que representam os estudantes são elegidos pelos próprios estudantes.

 - E qual é a relação da FEU com a FEEM?

(Yanet) - Somos da mesma família, a União de Jovens Comunistas. Realizamos muitas atividades com eles, principalmente indo aos pré-universitários, que é onde se concentram os estudantes do ensino médio, onde fazemos atividades vocacionais e informamos aos estudantes do pré-universitário sobre as carreiras e o que realmente se faz na universidade, porque, muitas vezes, essa garotada não tem muito bem definido a carreira que quer escolher. Também realizamos atividades culturais, recreativas e desportivas em conjunto, como parte da extensão universitária.

 - E para finalizar, atualmente, quais os principais desafios da FEU?

(Yanet) - O principal desafio que temos hoje, falando não como dirigente, mas como estudante universitário, em primeiro lugar, é seguir nos preparando com essa formação integral, porque acredito que as revoluções necessitam de homens integrais, e não de grandes acadêmicos ou advogados, mas sim de grandes acadêmicos e advogados que sejam revolucionários e pessoas integrais. Eu acredito que com esse tipo de pessoa é que se salva a Revolução. O grande desafio da FEU é seguir acompanhando e formando esses homens integrais. Também, seguir representando cada dia mais os estudantes, pois essa é a base de nossa organização, representar, orientar e mobilizar para o bem da organização. Porque o que façamos para o bem da organização é para o bem da revolução.

Eu também vejo que temos muitos desafios no contexto latino americano. A FEU de Cuba é a que está presidindo atualmente a Organização Continental Latino Americana e Caribenha de Estudantes(OCLAE), que logo terá um congresso na Nicarágua, no qual temos o desafio de que a FEU de Cuba siga com a presidência. Aqui em Cuba está o secretariado executivo da organização, a qual é composta por um brasileiro de uma organização de estudantes do Brasil, também representada por um estudante do Equador e de uma série de países que estão aqui trabalhando. Na OCLAE temos como principal desafio seguir debatendo a educação publica e gratuita na América Latina, pois a organização deve se pautar pela necessidade de cada um dos países, e, infelizmente, ainda temos muitas matrículas privadas no continente, bem como seguir promovendo a luta em cada um dos países, e seguir nos aproximando das comunidades através da realização de atividades de impacto social.

Os principais desafios estão nesse sentido, seguir fortalecendo a organização, formando os homens integrais, trabalhando pela integração latino americana, pela educação gratuita e pública no resto dos países e seguir apoiando os líderes da Revolução, impulsionando que os estudantes sejam cada vez mais revolucionários, o que é nossa responsabilidade.

30 de junho de 2014

(1) - Nascido em 1903, Julio Antonio Mella foi revolucionário cofundador do Partido Comunista de Cuba; integrante da Internacional Sindical Vermelha; fundador da Federación Estudiantil Universitaria, da Liga Anticlerical, da Universidade Popular "José Martí", que buscava formar politicamente os trabalhadores, da Seção da Liga Antiimperialista de Cuba e de uma série de organizações revolucionárias. Em 1929, exilado no México, aos 26 anos, foi assassinado à pedido de Gerardo Machado, ditador cubano do período. Julio é um mártir da luta revolucionária que em suas últimas palavras, após ser alvejado, afirmou: "morro pela revolução".

(2) - A Reforma Universitária de 1918 na Argentina foi um feito levado à cabo pelo movimento estudantil desse país após resultados fradulentos no sistema eleitoral universitário. Os estudantes tomaram uma série de universidades no país, o que levou o governo argentino a interferir e transformar uma série de estruturas universitárias. A mobilização dos argentinos teve impacto continental. Foi um marco das lutas estudantis no continente.

(3) - O Diretório Revolucionário foi uma organização de caráter insurreicional que participou ativamente das lutas da Revolução Cubana. Dentre elas o famoso assalto ao palácio presidencial. Em 1956, no México, a liderança do Diretório Revolucionário, José Antonio Echeverría, assinou com a liderança do movimento 26 de Julio, Fidel castro, um pacto (O Pacto do México) de união de fins na luta contra a ditadura de Batista. O Diretório atuava majoritariamente nas cidades.

(4) - Os integrantes do NMLC estiveram com Yanet poucos dias antes da entrevista, no dia 26 de júlio de 2014, em um evento em homenagem aos revolucionários que estiveram à frente da FEU no ano de 1962.

(5) - A Federación de Estudiantes de la Enseñanza Media (FEEM) é a organização representativa dos estudantes secundaristas de Cuba.

Um comentário:

  1. Reproduziremos no Solidários logo depois do Carnaval. Abs! Sturt Silva

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