sábado, 27 de junho de 2015

Pela criação de revolucionários profissionais - Julio Antonio Mella

Julio Antonio Mella

Julio Antonio Mella foi líder anti-imperialista, internacionalista e marxista-leninista cubano na primeira metade do século XX. Fundador do primeiro Partido Comunista de Cuba, fundador da Federação Estudantil Universtária de Cuba, Fundador das Ligas Anti-imperialistas cubanas, fundador da Universidade dos trabalhadores José Martí, integrante da Internacional Sindical, Secretário Geral interino do Partido Comunista do México dentre outras atuações de destaque. Julio Antonio Mella foi assassinado  no México em 1929, aos 26 anos por agentes da ditadura de Gerardo Machado. Soube compreender, como poucos em seu tempo, as particularidades do caráter da Revolução Anti-imperialista na América Latina.

"Satisfazer as necessidades sociais foi a causa da criação das profissões. Algumas necessidades, artificialmente criadas pelo atual regime de opressão e desigualdades serão consideradas pelo homem do futuro como inúteis. Mas outras perduraram, adaptadas ao momento histórico. Sempre, por exemplo, os humanos terão a necessidade dos trabalhadores que dominem a natureza das minas, dos mares e dos bosques. Poderá ser, e é de se desejar, que o comerciante, o militar e os enganadores da justiça, junto com outros vários, desapareçam, como já desapareceram o clássico patrão de escravos, os oráculos e outros parasitas de épocas pretéritas. (Também é certo que esses foram substituídos pelo burguês e pelo sacerdote. Mas, essa mesma substituição anuncia uma desaparição próxima.) Há uma profissão que existiu em outras épocas que hoje é de primordial importância na era agitada em que vivemos. Esta é a de revolucionário profissional. Ainda que ignorada, essa profissão é utilíssima, é uma das que de maneira mais importante preenche a grande necessidade de progresso social.

Junto ao mineiro, ao sábio inventor, ao eletricista, ao pedagogo, ao ferroviário, se encontra, sem dúvida alguma, o revolucionário. Ora é um Graco, ora um Espartaco, ora um Marat, ora um Robespierre, ora um Bolívar, ora um Marx, ora um Lênin, ora um Sun Yat Sen... Libertador de escravos, impulsionador da revolução agrária, libertador da burguesia do jugo feudal ou do proletariado do jugo burguês, sua tarefa, seu ofício, sua profissão, é a mesma, ainda que o cenário seja diferente.

A principal característica do revolucionário é sua compreensão absoluta e sua identificação total com a causa que defende. As ideias que abraça se convertem nos dínamos geradores de uma energia social. Os ignorantes costumam os qualificar como "fanáticos" por essa razão. Os reacionários, levados pelo ódio e pelo temor, enchem de insultos os revolucionários. Não há um homem em todo século tão insultado quanto Lênin. Também não há outro homem que tenha se aproximado da genialidade, da santidade e do heroísmo eticamente considerados, que o grande condutor da III Internacional.

O revolucionário profissional, se é marxista, por exemplo, sabe aplicar o marxismo a todos os problemas. Os inimigos se assombram ante a força de sua verdade, mas não se atrevem a aceitá-la, apesar de considerá-la certa e não combatê-la abertamente. Dão a sensação monstruosa de locomotivas atravessando selvas virgens e cidades populosas. O revolucionário profissional pode chegar ao martírio ou a o que é considerado como tal por estranhos. Ainda mais: cada minuto de sua estranha vida seria um minuto no inferno para muitos outros. Pode morrer na forca, no suplício, reviver os sanguinarismos do Circo. Aceita tudo com a mesma naturalidade que o jogador de bolas aceitas seu salário: é sua profissão e nada mais. Por essa razão, quando o público ou a "opinião pública" aplaudem qualquer de seus gestos diários de heroísmo, se considera tão estranho como se o público aplaudisse o cantor de ouvir a voz em um toca discos.

Sua ação, como a voz no disco, não é "sua", é reflexo e inspiração do meio social. Como recorda Bernard Shaw em Santa Juana, é "servo", talvez, sem saber porquê.

Reconhece o infinito da obra humana. Compreende como o Zaratustra o sentido da terra. É santo dessa terra, herói desses homens e gênio das pequenices do momento. Não aspira o "transcendentalismo". Tem orgulho de ser ponte para que os demais avancem sobre ele. Provavelmente não acreditará no super-homem nietzscheano. Mas reconhece o progresso que existe desde a ameba ao macaco até o homem. Da mesma maneira, o materialismo histórico o ensinou a transformação do feudal ao burguês, e deste ao proletário.

Quando morre, completamente consumido, esgotado, como a lenha em uma fogueira, morre satisfeito, reconhecendo a utilidade de sua obra. Foi queimado violentamente. Mas, iluminou muitos e esquentou um tanto a fria atmosfera social. Se você é estudante, possível que não compreenda sua profissão. Já terá percebido, se for sincero, que de nada vale a sabedoria médica se uma enorme porcentagem dos males são produzidos pelas misérias e injustiças sociais.

Também, terá percebido que todas as teorias jurídicas não são nada frente ao interior da classe dominante. Terá visto que de nada valem tampouco as conquistas da moderna industrialização se a enorme maioria da população vive ainda em condições do avô das cavernas. Então, querido camarada, se nenhuma das profissões anteriores que se cursam nas universidades burguesas te chama, faz-te revolucionário.

Vá ao cárcere buscar seu doutorado.

Se é trabalhador, se compreende que suas 8 a 16 horas de trabalho são uma exploração sem limites, compreende que jamais nem você nem a sociedade receberão o benefício de seu trabalho, se compreende que apesar de todas as greves será sempre explorado, faz-te revolucionário. Os oprimidos hoje buscam a esses profissionais que preenchem a grande necessidade do momento.

É a profissão sem concorrência, a profissão triunfante, a profissão que todo homem honrado deve desempenhar."


(Texto publicado entre 1925 e 1926)
Tradução: Fuzil contra Fuzil


segunda-feira, 15 de junho de 2015

O que Aprendemos e Ensinamos - Ernesto 'Che' Guevara

Che participando das jornadas de trabalho voluntário

"No mês de Dezembro, mês do Segundo Aniversário do desembarque do "Granma", convêm dar uma olhada retrospectiva aos anos de luta armada e mais à longa luta revolucionária cujo fermento inicial surge no 10 de Março, com a congregação batistiana, e o seu alerta primeiro, o 26 de Julho de 1953, com a trágica batalha do Moncada.

Longo foi o caminho e cheio de penúrias e contradições. É que no curso de todo processo revolucionário, quando este é dirigido honestamente e não freado desde postos de responsabilidade, há uma série de interações recíprocas entre os dirigentes e a massa revolucionária. O Movimento 26 de Julho, sofreu também a ação desta lei histórica. Do grupo de jovens entusiastas que assaltaram o Quartel Moncada na madrugada do 26 de Julho de 1953, aos atuais diretores do movimento, sendo muitos deles os mesmos, há um abismo. Os cinco anos de luta frontal, os quais foram de uma franca guerra, moldaram o espírito revolucionário de todos nós, nos choques quotidianos com a realidade e com a sabedoria instintiva do povo. Com efeito, o nosso contato com as massas camponesas ensinou-nos a grande injustiça que entrava o atual regime de propriedade agrária, convenceram-nos da justiça de uma mudança fundamental desse regime de propriedade; ilustraram-nos na prática diária  a capacidade de abnegação do campesinato cubano, sobre a sua nobreza e lealdade sem limites. Mas nós ensinamos também; ensinamos a perder o medo à repressão inimiga, ensinamos a superioridade das armas populares sobre o batalhão mercenário, ensinamos, em fim, a nunca suficientemente repetida máxima popular: "a união faz a força".

E o camponês e a camponesa alertada desde sua força impulsionaram ao Movimento, à sua vanguarda combativa, a proposta de reivindicações que se foram fazendo mais conscientemente audazes até se plasmarem na Lei nº 3 de Reforma Agrária da Sierra Maestra recentemente emitida.

A Lei é hoje o nosso orgulho, o nossa bandeira de combate, a nossa razão de ser como organização revolucionária. Mas nem sempre foram assim as nossas exposições sociais; cercados no nosso reduto da serra, sem conexões vitais com a massa do povo, alguma vez acreditamos que podíamos impor a razão das nossas armas com mais força de convicção que a razão das nossas ideias. Por isso tivemos o nosso 9 de Abril, data de triste recordação que representa no social o que a Alegria de Pio, representa no campo bíblico, significa no desenvolvimento da luta armada. Da Alegria de Pio tiramos o ensinamento revolucionário necessário para não perder uma só batalha mais; do 9 de Abril aprendemos também que a estratégia da luta de massas responde às leis definidas que não se podem burlar nem torcer. A lição está claramente aprendida. Ao trabalho das massas camponesas, às que temos unido sem distinção de bandeiras na luta pela posse da terra, acrescentamos hoje a exposição de reivindicações operárias que unem a massa proletária sob uma só bandeira de luta, o Frente Operário Nacional Unificado (F.O.N.U.), com uma só meta tática próxima: a greve geral revolucionária.

Não significa isto o uso de táticas demagógicas como expressão de destreza política; não investigamos o sentimento das massas como uma simples curiosidade científica, respondemos ao seu chamado, porque nós, vanguarda combativa dos operários e camponeses e camponesas que vertem o seu sangue nas serras e planícies de Cuba, não somos elementos isolados da massa popular, somos parte mesma do povo. A nossa função diretiva não nos isola, obriga-nos. Mas a nossa condição de Movimento de todas as classes de Cuba, faz-nos lutar também polos profissionais e pequeno comerciantes que aspiram a viver num marco de leis decorosas; pelo industrial cubano, cujo esforço engrandece a Nação criando fontes de trabalho, por todo homem de bem que quer ver Cuba sem o seu luto diário destas jornadas de dor. Hoje, mais que nunca, o Movimento 26 de Julho, ligado aos mais altos interesses da nação cubana, da sua batalha, sem arrogâncias mas sem claudicações, pelos operários e camponeses e camponesas, pelos profissionais e pequenos comerciantes, pelos industriais nacionais, pela democracia e a liberdade, pelo direito de sermos filhos livres de um povo livre, porque o pão de cada dia seja a dose exata do nosso esforço cotidiano.

Neste segundo aniversário, mudamos a formulação do nosso juramento. Já não seremos "livres ou mártires": seremos livres, livres pela ação de todo o povo de Cuba que está rompendo corrente após corrente com o sangue e o sofrimento dos seus melhores filhos.

Cuba, 1959."

Adaptado do Galego.