domingo, 27 de setembro de 2015

Echeverría, um mártir na história revolucionária cubana


“O livro da historia está nos esperando. Vamos escrever em suas páginas atos dignos de nossos antecessores. Como representantes da juventude cubana e filhos de Cuba, temos sobre nossos ombros uma tarefa a cumprir.”(1)


O processo revolucionário cubano do ano de 1959 foi um importante evento para os povos explorados que buscam a liberdade da dominação imperialista. Cuba em seu processo revolucionário resguarda heroicos nomes, que se doaram de corpo e alma as necessidades das classes trabalhadoras, dos povos oprimidos. Um desses nomes é o de José Antonio Echeverría, dirigente estudantil e revolucionário cubano.
José Antonio Echeverría teve uma infância que não fugia do comum, nasceu na província de Matanzas, onde cresceu e teve seus primeiros estudos voltados para as áreas artísticas. Esses estudos artísticos acabaram condicionando a sua opção de faculdade: arquitetura, na Faculdade de Havana, na qual teve o primeiro contato com o movimento estudantil no Grupo Arquitetônico de Renovação Estudantil (GARE), um órgão estudantil do curso de arquitetura.
Em um dos anos de eleição da Federación Estudantil Universitaria (FEU), órgão máximo da representação estudantil em Cuba, Echeverría defendeu a candidatura de Alvaro Barda para presidência da organização, e essa campanha passou a torná-lo conhecido entre os estudantes.
O ano de 1952 foi o ano do golpe de Fulgêncio Batista, e a imposição das suas medidas sobre as classes trabalhadoras de Cuba. Em 1955 o então vice presidente dos Estados Unidos Richard Nixon visita Cuba e tem uma reunião com Batista e seus assessores, e esclarece para eles o interesse americano em intensificar as relações econômicas entre os países, revelando assim a clara posição de passividade do governo imperialista yankee com relação a ditadura de Batista, que foi, não por menos, sustentada pelas grandes oligarquias americanas. Com o golpe de Batista a posição de Echeverría se eleva a um caráter revolucionário e combativo. A reação da FEU frente ao golpe foi a tomada de algumas medidas de tentativa de resistência, e incumbe alguns estudantes mais experimentados e capacitados para viajar pelo país afim de preparar o terreno dentro das universidade e do movimento estudantil para a greve estudantil geral. 
Echeverría na Faculdade de Arquitetura
Com a mobilização dos estudantes, o governo ditatorial de Batista passa a perseguir o movimento estudantil, partindo de uma política repressiva aos principais dirigentes do movimento, assim como as principais entidades envolvidas, sendo que muitos desses estudantes foram presos, assim como alguns foram fuzilados.

No ano de 1954 Echeverría foi eleito secretario geral da FEU, e alguns meses depois foi eleito presidente da federação, e se integrou a direção nacional, sendo responsável pela organização de diversas manifestações contra Fulgêncio Batista e também alguns eventos, nos quais discursava em solidariedade aos povos trabalhadores do mundo, particularmente os da América Latina, tendo ele inclusive partido em 1955 para Costa Rica com o objetivo de participar da resistência armada que se desenrolava no pais.

Em sua trajetória enquanto presidente da FEU, José Echeverría constantemente reforçou suas posições revolucionárias, e em seus discursos colocava em cheque a necessidade da revolução em Cuba, frente as condições as quais os países imperialistas impunham a Cuba, principalmente o imperialismo das classes dominantes nos Estados Unidos. No dia 19 de novembro em um discurso, Echeverría evidencia as atrocidades que haviam sendo cometidas contra os presos políticos em Cuba, como contra aos revolucionários que participaram da tentativa de tomada  do Quartel Moncada.(2)

"Que nenhum daqueles dignos lutadores que enfrentaram a ditadura permaneçam na prisão!Toda tentativa de não conceder a anistia aos combatentes do moncada encontraria o mais amplo repúdio da opinião pública. Não cabe esperar generosidade do regime; o Governo somente irá conceder uma anistia política geral, quando a pressão da opinião pública se tornar irresistível"(3)

Com o aumento da repressão ao movimento estudantil, que foi constante no governo de Batista, alguns dirigentes acabaram sendo presos, incluindo Echeverría. Porém a resposta do movimento estudantil se materializou em inúmeros protestos contra as prisões comandadas por Batista, sendo que por consequência dessa pressão os estudantes foram soltos alguns dias depois.

Em 1955, José Antonio Echeverria, então presidente da FEU, chama uma reunião da direção nacional e apresenta um plano elaborado por ele de criação de uma organização armada dentro do movimento estudantil. A FEU em si não tinha condições de se tornar uma organização armada, por conta da sua própria forma de organização e atuação democrática entre os estudantes, sendo que transformar uma organização estudantil em armada incorreria em uma serie de perigos.(4) Echeverría apresenta então a proposta de criação do Diretório Revolucionário, que seria na prática um braço armado da FEU, porém não a FEU em si.



Ainda no ano de 1955, no final do mês de dezembro explode em Cuba uma série de greves dos operários do setor açucareiro do país, ramo na industria que era o mais lucrativo ao imperialismo yankee. Nos dias 22 e 23 de dezembro a FEU destina alguns dirigentes, entre os mais experimentados a se encaminharem até as províncias nas quais ocorriam estas greves. O objetivo destes dirigentes era mostrar o apoio do movimento estudantil com as decisões grevistas tomadas pela classe trabalhadora em Cuba, além de também ajudar na direção do movimento grevista.

Em 1956 Echeverría viaja para o Chile, representando Cuba em um congresso internacional do movimento estudantil, com o objetivo de procurar difundir entre o movimento estudantil internacional a solidariedade com o povo cubano. Aproveitando esta viajem, ele parte do Chile e vai para o México, onde se encontrava Fidel Castro, que estava planejando sua volta a Cuba. No México Echeverría e Fidel realizarão algumas reuniões, nas quais acabaram por firmar o interesse comum entre movimento estudantil e movimento revolucionário 26 de julho, nas quais foram redigido a Carta de Medico que continha esses interesses, que em ultima instancia se resumiam a levar a cabo o processo revolucionário cubano.

Após estas reuniões com Fidel e a volta de Echeverría para Cuba, o movimento estudantil  acaba por tomar novos rumos em sua atuação, sendo em seus discursos ou em suas praticas de atuação. Estariam claramente voltadas ao objetivo de consolidar o processo revolucionário cubano. Essas ações foram rapidamente percebidas pelo governo ditatorial cubano, resultando em uma serie de prisões e também alguns casos de execução entre alguns membros do movimento estudantil, incluindo dirigentes. Essa repressão tinha claro objetivo de frear a mobilização  do movimento estudantil cubano que vinha gerando instabilidades ao governo de Batista.

Dentro do processo revolucionário, o Diretório Revolucionário, braço armado da FEU, não era o único grupo armado que lutava contra as medidas repressivas e de politica de subjugação ao imperialismo do governo Batista. Outro grupo armado conhecido era o Grupo de Melaneo Morales. Esses dois grupos entrariam em uma união e elaborariam em conjunto, um plano, que haveria de ficar conhecido como "Ação 13 de março".

No dia 13 de março de 1957, é realizado em Cuba um plano em tentativa da tomada afim de pôr um fim no governo de Batista. A estrategia do plano se baseava na tomada de pontos estratégicos da capital Havana e assim consequentemente as regiões próximas a Havana, dominando Cuba pelos pontos que sustentavam a ditadura, como as rádios,os postos de comunicação entre as bases do exercito, entre outros. Segundo o plano, o primeiro lugar de assalto era o Palácio Presidencial, onde se encontrava Fulgêncio Batista. O plano era tomar o Palácio, matar Batista e anunciar na Radio Relos, que seria tomada por outro grupo armada, e divulgar ao povo cubano a morte do ditador.

“Nosso compromisso com o povo cubano foi assinado na Carta do México, que levou a juventude a adquirir uma conduta de atuação, mas as circunstâncias necessárias para que os estudantes cumprissem seu papel não lhes eram oportunas, forçando-nos a adiar cumprir nosso compromisso . Nós acreditamos que agora é a hora de cumprir nossa tarefa. Acredito na pureza de nossas intenções, que trazemos a favor de Deus para alcançar a justiça em nosso país” (5)

Echeverría discursando aos seus companheiros frente a uma estátua de José Martí

O plano envolvia um numero de 165 homens, destes, 50 carregados de armas automáticas invadiriam o Palácio, 100 entrariam após a tomada, e outros 15 eram responsáveis por dominar a sede da Radio Relos em Havana e anunciar a morte de Batista, sendo que a liderança desse aspecto do plano era de Echeverría. Infelizmente o plano acabou falhando, sendo que os envolvidos não conseguiram invadir o Palácio e acabaram de ter de bater em retirada, assim como a invasão da Radio Relos não foi efetiva e os mesmos acabaram tendo que fugir as pressas da rádio.

Na fuga os revolucionários acabaram enfrentando sérios problemas, sendo que muitos foram cercados e seus carros de fuga alvejados por metralhadoras. Um desses carros foi o de José Antonio Echeverría, grande dirigente revolucionário cubano, que morreu no dia 13 de março de 1957, aos 24 anos.

Assim lembra Fidel:

“Com estes esforços, com esses sacrifícios, com o conjunto de tudo que o sangue generoso, que o sangue rebelde, que o sangue heroico, onde o desejo de liberdade de todos os jovens, de Mella a Jose Antonio Echeverria; O sangue de Mella ao sangue de Jose Antonio Echeverria, e com o sangue de muitos como eles, foi construída a história do país! E a grandeza da revolução vai saber unir todo esse esforço para levá-la adiante .” (6)

Apesar de a ação que levou ao seu assassinato não ter sido bem sucedida, Echeverria teve uma capacidade exemplar em mobilizar o movimento estudantil e se doar à Revolução Cubana. Assim, ter menosprezado a reação e não ter avaliado também as condições e requisitos que as mudanças revolucionárias exigem foram seus erros. Com seus erros e com seu exemplo, muito se pode aprender.



NOTAS:

(1)Julio A. García Oliveras: José Antonio Echeverría: la lucha estudiantil contra Batista. La Habana: Editora Política, 1979, p.335.

(2) Essa tentativa tinha como principal líder Fidel Castro, que tinha por objetivo dominar o segundo quartel mais importante do governo ditatorial de Batista, porém os revolucionários eram inferiores em numero e também em armas, o quartel era ocupado por cerca de 1000 soldados,muitos foram mortos durante o confronto, e muitos foram executados após serem presos.

(3) Revista Bohemia. 27 de março de 1955

(4) Não podemos esquecer o que Lênin nos ensina sobre a necessidade de atribuirmos a tarefas conspirativas e clandestinas ao menor número de pessoas possíveis a determinado objetivo.

“A questão de saber se é mais fácil capturar uma "dezena de cabeças dotadas de inteligência" ou uma "centena de imbecis" reconduz à questão que analisei mais acima: é possível uma organização de massa no quadro de um regime estritamente clandestino? Jamais poderemos dar a uma grande organização caráter clandestino, sem o qual não seria possível falar de uma luta firme contra o governo, cuja continuidade fosse assegurada. A concentração de todas as funções clandestinas entre as mãos do menor número possível de revolucionários profissionais não significa absolutamente que esses "pensarão por todos", que a multidão não tomará parte ativa no movimento. Ao contrário, a multidão fará surgir esses revolucionários profissionais em número sempre maior, pois saberá, então, que não basta alguns estudantes e alguns operários, que conduzem a luta econômica, reunirem-se para constituir um "comitê", mas é necessário, durante anos, que procedam à sua educação de revolucionário profissional; e a multidão não "pensará" unicamente no trabalho artesanal, mas exatamente nessa educação.” (LÊNIN, Que fazer?,A Organização dos Operários e a Organização dos Revolucionários)

(5)Trecho do testamento politico de José Antonio Echeverria. No dia 13 de março, antes do plano ser realizado, Echeverría escreveu uma pequena nota, que viria ser conhecido como seu testamento politico.

(6) Trecho do discurso de Fidel Castro. Em 1962, no dia 13 de março, dia do aniversário da ação 13 de março, Fidel Castro ministra um discurso na Universidade de Havana em homenagem aos mártires ao assalto ao Palácio Presidencial.



sábado, 19 de setembro de 2015

Che Guevara - Notas para o estudo da ideologia da Revolução Cubana -Parte I

Che em 1962 em uma de suas visitas a granja agroindustrial "Ciro Redondo".

"Essa é uma Revolução singular que alguns acreditaram não se ajustar a uma das premissas dos mais ortodoxos do movimento revolucionário expressada por Lênin em "sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário". Converia dizer que a teoria revolucionária, como expressão de uma verdade social, está acima de qualquer enunciado. Isto é, a Revolução pode ser feita se interpretada corretamente a realidade histórica e se utilizadas corretamente as forças que nela intervêm, ainda que não se conheça a teoria.

É claro que o conhecimento adequado dessa realidade simplifica a tarefa e impede de se cair em perigosos erros, sempre que essa teoria enunciada corresponda a verdade. Além disso, falando concretamente dessa Revolução, deve enfatizar que seus atores principais não eram exatamente teóricos, mas também não eram ignorantes dos grandes fenômenos sociais e dos enunciados das leis que os regem. Isso fez com que, sobre a base de alguns conhecimentos teóricos e profundo conhecimento da realidade, se pudesse ir criando uma teoria revolucionário.

O que expusemos anteriormente deve se considerar uma introdução à explicação desse curioso fenômeno que deixa todo o mundo intrigado: a Revolução Cubana. O como e o porquê um grupo de homens, destruídos por um exército enormemente superior no que diz respeito à técnica e em equipamentos, conseguiu ir sobrevivendo primeiro, para fortalecer-se em seguida, ficando mais forte que o inimigo nas zonas de batalha mais tarde, emigrando até novas zonas de combate em momento posterior, para derrotar esse inimigo finalmente em batalhas campais, ainda com tropas muito inferiores em número, é algo digno de estudo na História do mundo contemporâneo.

Naturalmente, nós que com frequência não mostramos a devida preocupação com a teoría, não viemos hoje expor, como donos dela, a verdade da Revolução Cubana; simplesmente tratamos de lançar as bases para que se possa interpretar essa verdade. Na realidade, deve se separar na Revolução Cubana duas etapas absolutamente diferentes: a da ação armada até o primeiro de Janeiro de 1959 e a transformação política, econômica e social dali em diante.

Ainda essas duas etapas mereçam subdivisões sucessivas, não a consideraremos do ponto de vista da exposição histórica, mas do ponto de vista da avaliação do pensamento revolucionário de seus dirigentes através do contato com o povo.

Incidentalmente, devemos introduzir uma postura geral frente a um dos mais controvertidos termos do mundo atual: o marxismo.
Nossa posição quando se pergunta se somos marxistas ou não, é a que teria um físico a que se perguntasse se é "newtoniano", ou a um biólogo se é "pasteuriano".

Há verdades tão evidentes, tão incorporadas ao conhecimento dos povos que é inútil discutí-las. Se deve ser "marxista" com a mesma naturalidade com que se é "newtoniano" na física ou "pasteuriano" na biologia, considerando que se novos acontecimentos determinam novos conceitos, não se retirará a parte de verdade daqueles outros que passaram. Tal é o caso, por exemplo, da relatividade "einsteniana", ou da teoria do quantum de Planck sobre os descobrimentos de Newton. Sem dúvida, isso não retira em absolutamente nada a grandeza do sábio inglês. Graças a newton é que a física pôde avançar até alcançar os novos conceitos do espaço. O sábio inglês é a escalada necessária para isso.

À Marx, como pensador, como investigador das doutrinas sociais e do sistema capitalista em que vivia, pode-se, evidentemente, objetar-se certas imprecisões.

Nós, Latino-Americanos, podemos, por exemplo, não estar de acordo com sua interpretação de Bolívar, ou com a análise que fizeram ele e Engels dos mexicanos, por considerarem certas teorias sobre raças ou nacionalidades que são inadimissíveis hoje. Mas os grandes homens descobridores de verdades luminosas vivem, apesar de suas pequenas faltas. Estas servem somente para nos demonstrar que são humanos, isto é, seres que podem incorrer em erros, ainda com a clara consciência da altura alcançada por esses gigantes do pensamento. Por isso reconhecemos as verdades essenciais do marxismo como incorporadas ao acervo cultural e científico dos povos, e as tomamos com a naturalidade de algo que já não necessita de discussão.

Os avanços na ciência social e política, como em outros campos, pertencem a um longo processo histórico cujos elos se encadeiam, se somam, se aglutinam e se aperfeiçoam constantemente. No início dos povos, havia uma matemática chinesa, árabe ou hindú; hoje a matemática não tem fronteiras. Dentro de sua história cabe um pitágoras grego, um Galileo italiano, um Newton inglês, um Gauss alemão, um Lovachevki russo, um Einstein, etc..

Assim como no campo das ciências sociais e políticas, desde demócrito até Marx, uma larga série de pensadores foram agregando suas investigações originais e acumulando um corpo de experiências e doutrinas.

O mérito de Marx é que produz na história do pensamento social uma mudança qualitativa. Interpreta a história, compreende sua dinâmica, prevê o futuro, mas, além de prevê-lo, onde acabaria sua obrigação científica, expressa um conceito revolucionário: Não somente há de se interpretar a natureza, é preciso transformá-la. O homem deixa de ser escravo e instrumento do meio e se converte em arquiteto de seu próprio destino. Nesse momento, Marx começa a colocar-se numa tal situação, que passa a constar na lista de todos que tem um interesse especial em manter o velho, como antes aconteceu a Demócrito cuja obra foi queimada pelo próprio Platão e seus discípulos ideólogos da aristocracia escravista ateniense.

A partir do Marx revolucionário se estabelece um grupo político com ideias concretas que, apoiando-se nos gigantes Marx e Engels, desenvolvendo-se através de etapas sucessivas com personalidades como Lênin, Stalin, Mao tsé Tung e os novos governantes soviéticos e chineses, estabelece um corpo de doutrina, digamos, exemplos a seguir.

A Revolução Cubana toma Marx onde este deixou a ciência para empunhar seu fuzil revolucionário; e ali o toma, não por espírito de revisão, de lutar contra o que segue Marx, de reviver o Marx "puro", mas simplesmente porquê até ali Marx o cientista colocado fora da história, estudava e previa.

Depois, Marx revolucionário dentro da história lutaria. Nós revolucionários práticos, iniciando nossa lutas simplesmente cumpriamos leis previstas por Marx o cientista, e, por esse caminho de rebeldia, ao lutar contra a velha estrutura do poder, ao nos apoiar no povo para destruir essa estrutura, e ao ter como base de nossa luta a felicidade desse povo, estamos simplesmente nos ajustando as previsões do cientista Marx.

Isto é, e é bom pontualizar mais uma vez, as leis do Marxismo estão presentes nos acontecimentos da Revolução Cubana independentemente de seus líderes professem ou conheçam cabalmente de um ponto de vista teórico, essas leis.

Para melhor compreensão do movimento revolucionário cubano até o Primeiro de Janeiro, haveria de dividí-lo nas seguintes etapas: embarque de Granma; do desembarque do Granma até depois da vitória de la Plata e Arroyo del Infierno; desde essas datas até el Uvero e a constituição da Segunda coluna Guerrilheira; até a Constituição da Terceira e da Quarta, e invasão e estabelecimento da segunda frente; a Greve de Abril e seu fracasso; o rechaço da grande ofensiva; a invasão de Las Villas.

Cada um desses pequenos momentos históricos da Guerrilha vai demarcando distintos conceitos sociais e distintas apreciações da realidade Cubana que foram contornando o pensamento dos líderes militares da Revolução, os que com o tempo reafirmaram também sua condição de líderes políticos.

Antes do desembarque do Granma predominava uma mentalidade que até certo ponto poderia se chamar de subjetivista; confiança cega em uma rápida explosão popular, entusiasmo e fé em poder liquidar o poderío batistiano com um rápido levantamento combinado com greves revolucionárias espontâneas e subsequente caída do ditador. O movimento era o herdeiro direto do Partido Ortodoxo, e seu lema era  "vergonha contra o dinheiro". Isto é, honradez administrativa como ideia principal do novo Governo cubano.

Sem dúvida, Fidel Castro havia registrado em "A história me absolverá" as bases que foram quase integralmente cumpridas pela Revolução, mas que também foram superadas por ela, alcançando um maior aprofundamento no terreno econômico, o que trouxe paralelamente um aprofundamento no terreno político, nacional e internacional.

Depois do desembarque veio a derrota, a destruição quase total das forças, seu reagrupamento e integração como guerrilha. Já em pequeno número de sobreviventes e, além disso, sobreviventes com ânimo de luta, se caracteriza por compreender a falsidade do esquema imaginado pelos levantamentos espontâneos na Ilha, e pelo entendimento de que a luta terá que ser longa e deverá contar com uma grande participação camponesa. Aqui se iniciam também os primeiros ingressos dos camponeses na guerrilha e acontecem dois encontros, de menor importância quanto ao número de combatentes, mas de grande importância psicológica, pois apagou a suscetibilidade do grupo central dessa guerrilha, constituído por elementos vindos da cidade, em relação aos camponeses. Esses, por sua vez, desconfiavam do grupo, e, sobretudo, temiam as bárbaras represálias do governo. Foram demonstradas nessa etapa duas coisas, ambas muito importantes para fatores interrelacionados: aos camponeses, que as bestialidades do exército e toda a perseguição não seriam suficientes para acabar com a guerrilha, mas que seria capaz de acabar com suas casas, suas colheitas e suas famílias, razão pela qual seria boa solução se refugiar no seio daquela, onde teriam suas vidas protegidas; por outro lado, aprenderam os guerrilheiros a necessidade cada vez maior de ganhar as massas camponesas, para o que, obviamente, devia se oferecer algo que eles quisessem com todas suas forças; e não há nada que um camponês queira mais do que a terra.(...)"
Continua na Parte II. Para ler a Parte II, clique aqui.

Publicado em Verde Olivo em 12 de fevereiro de 1962.

Para ler a Parte
Tradução Fuzil contra Fuzil