domingo, 22 de fevereiro de 2015

O que escreveu Fidel há aproximadamente 7 anos


No mês de fevereiro do ano de 2008, Fidel Castro Ruz,  em virtude de sua situação de Saúde, deixava, definitivamente, o cargo da presidência do Conselho de Estado de Cuba. Em sua mensagem aos cubanos, no dia 18 de fevereiro, o Comandante-em-Chefe da Revolução, ao expor que não mais seria candidato a tal cargo, afirmava: "Penso como Niemeyer que é necessário ser conseqüente até o fim.” e terminava "Não me despeço de vocês. Só desejo combater como soldado das idéias. Continuarei a escrever sob o título 'Reflexões do companheiro Fidel.' Será mais uma arma do arsenal, com a qual se poderá contar. Talvez minha voz seja escutada.  Serei prudente".

Tal é o compromisso de Fidel com a Revolução e seu espírito abnegado, que poucos dias após essa mensagem, a mais experiente arma do arsenal cubano já estava carregada, e, assim, contribuiria com suas reflexões sobre importantes temas, que, hoje, redobram sua atualidade.


O QUE ESCREVI NA TERÇA-FEIRA DIA 19
"Meio século de bloqueio lhes parecia pouco aos predilectos. Mudança! Mudança! Mudança! gritavam ao uníssono. Concordo com isso: "mudança!", mas nos Estados Unidos."

"Nessa terça-feira não houve notícia internacional fresca. A minha modesta mensagem ao povo, da segunda-feira 18 de Fevereiro, não teve dificuldade para ser divulgada com amplitude. Desde as 11h:00 comecei a receber notícias concretas. Na noite anterior dormira como nunca. Tinha a consciência tranquila e me prometera umas férias. Os dias de tensão, esperando a proximidade de 24 de Fevereiro, deixaram-me exausto.

Hoje não direi nem uma palavra sobre pessoas queridas em Cuba e no mundo, que de mil maneiras diferentes expressaram suas emoções. Recebi igualmente um elevado número de opiniões recolhidas na rua com métodos fiáveis, as que quase sem excepção, e de forma espontânea, verteram seus mais profundos sentimentos de solidariedade. Algum dia falarei no tema.

Neste instante dedico-me ao adversário. Desfrutei observando a posição embaraçosa de todos os candidatos a Presidente dos Estados Unidos. Foram obrigados, um por um, a proclamarem as suas imediatas exigências a Cuba para não arriscar um só eleitor. Nem que eu fosse Prêmio Pulitzer interrogando-os na CNN sobre os assuntos políticos mais delicados e inclusive pessoais, desde Las Vegas, onde reina a lógica do acaso das roletas de jogo e aonde é preciso frequentar humildemente se alguém aspira ser Presidente.

Meio século de bloqueio lhes parecia pouco aos predilectos. Mudança! Mudança! Mudança! gritavam ao uníssono.

Concordo com isso: "mudança!", mas nos Estados Unidos. Há tempo que Cuba mudou e continuará o seu rumo dialéctico. Não regressar jamais ao passado! exclama nosso povo.

Anexação! anexação! anexação!, responde o adversário; é o que no fundo pensa quando fala em mudança.

Martí, quebrando o silêncio de sua luta silenciosa, denunciou o império voraz e expansionista já descoberto e descrito pela sua genial inteligência, mais de um século depois da declaração revolucionária de independência das 13 colónias.

Não é mesma coisa o fim duma etapa que o início do fim dum sistema insustentável.

Logo, as minguadas potências europeias aliadas a esse sistema, proclamam as mesmas exigências. Ao seu ver, tinha chegado a hora de dançar com a música da democracia e da liberdade que, desde os tempos de Tomás de Torquemada, jamais realmente conheceram. O colonialismo e o neocolonialismo aplicados a continentes inteiros, donde tiram energia, matérias-primas e mão-de-obra  baratas, os desclassificam moralmente.

Um ilustríssimo personagem espanhol, antigamente ministro de Cultura e socialista impecável, hoje, e há tempo disso, porta-voz das armas e da guerra, é a síntese da sem-razão pura. Cossovo e a declaração unilateral de independência os abalam neste instante como um pesadelo impertinente.

No Iraque e no Afeganistão continuam morrendo homens de carne e osso com fardas dos Estados Unidos e da OTAN.  A lembrança da URSS, desintegrada em parte pela aventura intervencionista no segundo dos dois países, persegue os europeus como uma sombra.

Bush pai postula McCain como seu candidato, ao passo que Bush filho, num país da África ―origem do homem ontem, e continente mártir hoje― onde ninguém conhece o que ele ali faz, disse que a minha mensagem era o início do caminho da liberdade de Cuba, isto é, a anexação decretada pelo seu governo num volumoso e enorme texto.

No dia anterior, pela televisão internacional, era mostrado um grupo de bombardeiros de última geração realizando manobras espectaculares, com total garantia de que, bombas de qualquer tipo, podem ser lançadas sem que os radares detectem as naves portadoras e nem que seja considerado crime de guerra.

Um protesto de importantes países se relacionava com a ideia imperial de testar uma arma, sob o pretexto de evitar a possível queda, sobre o território de outro país de um satélite espião, dos muitos engenhos que com fins militares os Estados Unidos têm colocado na órbita do planeta.

Pensava deixar de escrever uma reflexão pelo menos em 10 dias, mas não tinha direito a guardar silêncio tanto tempo. É preciso abrir fogo ideológico sobre eles.

Escrevi isto pelas 15h:53 da terça-feira. Ontem o revi e hoje quinta-feira à tarde o entregarei. Pedi encarecidamente que minhas reflexões sejam publicadas na 2ª página ou em qualquer outra dos nossos jornais, nunca na primeira plana, e fazer sínteses simples no resto da mídia se forem extensas.

Agora estou debruçado no esforço por fazer constar meu voto unido em prol da Presidência da Assembléia Nacional e do novo Conselho de Estado, e como fazê-lo?

Agradeço aos leitores pela sua paciente espera."

Fidel Castro Ruz
21 de Fevereiro de 2008
18h:34

QUEM QUER ENTRAR NA LIXEIRA?

"Que barato quer nos comprar o novo Carlos Saladrigas! Com o dinheiro de Miami, “o maior fundo de ajuda que nenhuma transição tem conhecido na história”, algo que os Estados Unidos não têm podido conseguir com todo o dinheiro do mundo."

"Por acaso soube que a OEA existia, ao ler hoje um telex da Internet com o artigo de Georgina Saldierna, publicado em La Jornada, titulado “Descarta Insulza que Cuba possa ser logo aceita de novo na OEA”. Ninguém se lembrava dela. Veja o carácter ante-diluviano do argumento.

“O secretário-geral da Organização de Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, descartou, ontem, que Cuba possa se reincorporar de imediato ao organismo multilateral, entre outras razões porque não há consenso sobre o tema entre seus membros.”

“Por seu lado, Insulza considerou que um requisito que  Cuba teria que cumprir para sua plena reincorporação à OEA é atender as normas da organização, entre as quais se inclui a Carta Democrática Inter-americana e a Convenção de Direitos Humanos.”

Se não for suficiente para se divertir, veja o artigo de Antonio Caño, de El País, de 21 de Fevereiro de 2008, “O isolamento da ilha apenas serve para perpetuar a agonia do regime”.

“Uma das vozes mais autorizadas do exílio cubano, o empresário Carlos Saladrigas, confia em que a demissão de Fidel Castro pode ser ‘a porta que abre definitivamente à mudança’ e pede à comunidade cubana de Miami e ao Governo dos Estados Unidos que actuem com ‘prudência’ e com ‘vontade conciliadora’, com o fim de não desaproveitar esta oportunidade.

“Saladrigas, que preside uma pequena organização chamada Grupo de Estudos Cubanos, integrada num colectivo de outras associações políticas e de direitos humanos conhecido como Consenso Cubano, tem gasto nos últimos anos milhões da sua fortuna particular para pôr em marcha um embrião de alternativa moderada e centrista aos velhos dirigentes radicais que dominavam a comunidade cubana nos Estados Unidos. No deserto de lideranças em que ficou Miami após a morte de Jorge Mas Canosa, Saladrigas é uma voz respeitada entre os círculos intelectuais, e escutada pela mídia e pelos diplomatas estrangeiros.

“Numa conversação telefônica desde a República Dominicana, Saladrigas declarou: ‘continuar isolando Cuba só serve para perpetuar a agonia do regime.’

“‘Este é um momento de grande esperança, tanto para os cubanos do exílio quanto para os dissidentes no interior.

“‘O exílio deve ajudar estimulando os passos que se vão dando em Cuba, não rejeitando-os.

As transições são feitas passo a passo.

“‘É preciso conseguir que o regime perca o medo ao exílio; quanto menos medo tiver, mais rápido irá tudo.’ A mudança, na sua opinião, não se pode deter.”

“Na Flórida vive um milhão de cubanos com recursos suficientes como para revitalizar a maquinaria econômica da ilha em muito pouco tempo se forem dadas as condições adequadas, que devem ser criadas tanto pelos Estados Unidos como por Cuba. O primeiro, levantando as restrições aos cidadãos norte-americanos para investir na ilha, e o segundo, legalizando a propriedade privada e a actividade econômica estrangeira.

“Uma vez que se dêem essas condições, na opinião de Saladrigas, as reformas políticas serão automáticas. A medida mais urgente seria a libertação dos presos políticos. Cumprido isso, e aberta a porta ao investimento, o exílio poderia se tornar no maior fundo de ajuda que nenhuma transição política tem conhecido na história, afirma.”

Carlos Saladrigas soa-me no ouvido como nome e sobrenome que escutei muitas vezes quando, como estudante de 18 anos, concluía os meus estudos no quinto e último curso de Bacharelato. Era o candidato escolhido por Batista ao concluir o último ano do seu mandato constitucional. Antes tinha sido seu Primeiro-ministro. Estava finalizando a segunda guerra mundial.

Que barato quer nos comprar o novo Carlos Saladrigas! Com o dinheiro de Miami, “o maior fundo de ajuda que nenhuma transição tem conhecido na história”, algo que os Estados Unidos não têm conseguido com todo o dinheiro do mundo.

A realidade é outra e ela não se oculta aos que observam com realismo os acontecimentos que ocorrem em Cuba.

Um artigo de David Brooks, publicado há menos de 12 horas no jornal La Jornada, de México, sob o título “Estados Unidos relegado a simples espectador da transição política em Cuba”, utiliza argumentos dignos de serem sublinhados.

“Nova Iorque, 20 de Fevereiro. Não cessa de espantar como um dos menores países  do mundo obriga a que os líderes políticos, empresariais, mediáticos e acadêmicos do país mais poderoso do mundo tenham que responder perante suas decisões de fazer ou não, mudar ou não, ou simplesmente deixar tudo no mistério.

“Durante as últimas 24 horas o presidente George W.  Bush, os altos funcionários do seu Departamento de Estado, seu Conselho de Segurança Nacional, legisladores federais, os pré-candidatos presidenciais e outras figuras políticas de primeiro nível, analistas políticos e os principais centros de política exterior, todos os principais meios impressos e eletrônicos, agrupamentos de direitos humanos, e mais, têm respondido à decisão de Fidel Castro de não se postular por outro período.

“Enquanto se procede com uma transição política em Cuba, ninguém aqui espera alguma mudança durante os poucos meses que restam da presidência de George W. Bush, o décimo presidente estadunidense que prometeu impor mudanças na ilha, apenas para acabar seu período com Fidel Castro ainda definindo a política do seu próprio país e desafiando o super poder.

“E mais uma vez, Washington e todos os peritos foram reduzidos a simples espectadores e tiveram que reconhecer que a transição é a determinada por Cuba, e não o resultado da política que Washington tem promovido durante meio século.”

“Julia Sweig, perito na relação bilateral e diretora do programa de América Latina para o Council on Foreign Relations, sublinhou… que se deveria ter levantado o embargo e outras restrições que apenas têm limitado a política exterior estadunidense justo neste tipo de conjuntura.

“O ex coronel Lawrence Wilkerson –mão direita do general Colin Powell e agora co-presidente da Iniciativa de política EU-Cuba da New America Foundation–, considerou mais uma vez que esta conjuntura oferece uma oportunidade para mudar a postura estadunidense, embora admitiu que ‘nossa política para com Cuba é um fracasso’ e não haverá nenhuma mudança sob esta presidência.

Os pré-candidatos e outros deveriam iniciar uma avaliação desta política, incluindo coisas óbvias como levantar a proibição de viagens e alguns aspectos do embargo, para que o próximo ocupante da Casa Branca possa implementar algumas mudanças.

“O New York Times faz eco destas perspectivas no seu editorial de hoje, indicando que o governo de Bush fez tudo quanto possível ‘para assegurar que não tem a oportunidade de influir nos eventos’ em Cuba.

‘No intuito de apertar o fracassado embargo, tem tornado muito mais difícil para acadêmicos, artistas e gente religiosa viajarem a Cuba e difundirem a boa palavra sobre a democracia.’ O Times propõe deixar de lado os interesses de Miami, mesmo se for particularmente difícil num ano eleitoral para abrir comunicação direta com Cuba e ‘os sucessores do senhor Castro’.

“Com o anúncio de Castro desde Havana, a dinâmica política dentro dos Estados Unidos também pode mudar. Os três principais pré-candidatos se pronunciaram ontem a respeito do assunto, com o republicano John McCain e a democrata Hillary Clinton repetindo a retórica de sempre de que Cuba tem que demonstrar mudanças antes que Washington considere uma mudança de sua política.

“O democrata Barack Obama ―que em 2003 como candidato ao Senado advogou pelo levantamento do embargo― tem condicionado sua posição agora, mas é o único que tem favorecido afrouxar as restrições a viagens e o envio de fundos à ilha, e ontem disse que se houverem amostras de uma mudança rumo à democratização na ilha, ‘os Estados Unidos deve estar preparado para dar passos rumo à normalização das relações e suavizar o embargo’.”

“‘Tivemos uma má política durante 50 anos, por razões que não têm nada a ver com Cuba’, declarou o representante federal Charles Rangel, presidente de um dos comitês mais influentes do Congresso, informou o Wall Street Journal. Vários legisladores mais percebem este momento como uma abertura possível para promover mudanças na política bilateral.

“O setor empresarial, que há anos tem manifestado sua oposição ao embargo, também poderia ver esta como uma oportunidade para envidar esforços para mudar a política estadunidense, com o apoio bipartidário de legisladores e governadores que vêem o mercado cubano como algo mais atraente que manter uma posição ideológica alinhada comum presidente e seu governo cada vez mais desprestigiado em Washington.

“Ao que parece, a transição em Cuba poderia provocar uma transição dentro dos Estados Unidos. Mas talvez Washington e Miami são mais renuentes à mudança do que Havana.”

Como podem constatar os leitores, trabalhei pouco enquanto espero a decisão transcendente do dia 24.

Agora sim estarei vários dias sem usar a caneta."

Fidel Castro Ruz
22 de Fevereiro 2008
17h:56

Reflexões retiradas de http://www.cuba.cu/

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Entrevista com a Secretária Nacional de Formação Político-ideológica da Federación Estudiantil Universitaria

         Reproduzimos aqui a entrevista do blog Fuzil Contra Fuzil com a companheira Yanet Romero Cobas, Secretária Nacional de Formação Politico-ideológica da Federación Estudiantil Universitaria (FEU) de Cuba, sobre essa organização.

 - Boa tarde, Yanet. Gostariamos que você nos explicasse como surgiu e qual era a função da FEU quando foi criada.


(Yanet) - Bem, a FEU foi criada no ano de 1922 e seu fundador foi Julio Antonio Mella (1). A formação da Federação está muito relacionado à reforma universitária de Córdoba (2), na Argentina, e as questões por ela levantada. Em Cuba começa a criar-se um movimento ao redor desse fenômeno, que desemboca na fundação e no primeiro congresso da organização.

Yanet Romero Cobas
No início, a FEU surgiu com outro interesse e visão, tratava-se sobretudo de representar os estudantes, mas também lutar pela reforma universitária e possibilitar a aproximação da universidade em relação ao povo e da comunidade em geral. Ainda, além de todas essas tarefas, o movimento estudantil lutava pela independência de Cuba, visto que naquele contexto os governos que mandavam no país representavam os interesses dos Estados Unidos. Tratava-se de conquistar uma soberania dentro da Universidade e para a sociedade cubana.

 - E qual papel a FEU desempenhou na Revolução?

(Yanet) - Eu acredito que a história da FEU não pode ser separada da história da Revolução. A partir do ano de 1922, quando se funda a FEU, todos nós do movimento estudantil fizemos parte das diferentes correntes dos movimentos de luta gerados pelo povo cubano. Na realidade, os maiores líderes da Revolução saíram da luta na universidade. Fidel Castro, Raul Castro e outros que atualmente estão ocupando cargos de direção no país, saíram dessa luta. Inclusive, Fidel disse sobre a universidade "aqui me fiz revolucionário".

Durante os anos 20, depois, em outra etapa nos anos 30, no período de efervescência dos anos 40, e marcadamente nos anos 50, quando se realça o papel da FEU na luta, o movimento estudantil esteve bastante presente. Inclusive, a FEU possuía Diretórios Revolucionários (3), outra força que apoiava a luta, da qual muitos dirigentes e estudantes subiram as montanhas, a Sierra Maestra, para lutar também. Entretanto, não foi só na Sierra Maestra que os estudantes atuaram, pois, nas cidades, principalmente em Havana, muitos deles participaram da luta clandestina.

Foi por conta dos estudantes e todo o povo de forma geral que se conseguiu o triunfo revolucionário em 1º de janeiro de 1959.

 - E como se organiza a FEU atualmente?

(Yanet) - Atualmente a FEU está estruturada da base até o nível nacional da seguinte forma: na base, está estruturada nas diferentes faculdades, e nas faculdades está a estrutura primária, as brigadas. As brigadas são como grupos de uma classe. Também existe o conselho das brigadas dessa faculdade, que é direção da FEU nessa faculdade, integrado pelos presidentes das brigadas e o secretário a nível de faculdade.

Também existe o secretário a nível de Universidade, que é o representante da FEU a nível da Universidade, e o secretariado a nível nacional da FEU. A nível nacional, existe um conselho nacional que está representado por todas províncias do país e que toma as decisões durante o período em que não há congresso, esse conselho se reúne anualmente. Já o congresso é realizado a cada 4 anos e é o órgão máximo de decisão.

 - Quais são as transformações depois da revolução, tanto no objetivo, como na organização da FEU?

(Yanet) - Depois do trinfo da Revolução as missões da FEU passaram a ser outras, pois já não era necessário lutar pela educação pública e gratuita, porque já tínhamos essa conquista, isso já não era mais um problema. A Revolução nos impulsionou a realizar atividades no meio estudantil, que desenvolvêssemos o movimento desportivo, o movimento cultural, e que vinculássemos a universidade com a sociedade. Ou seja, que saíssemos da universidade e realizássemos atividades com a comunidade e trabalhássemos, por exemplo, nos bairros mais necessitados. A nível acadêmico, nos impulsionou a seguir construindo e melhorando a própria universidade e a qualidade da docência, ao exigir dos professores aulas melhores etc.

No ano de 1962 houve uma reforma universitária, já não como a de 1922, mas uma reforma mais no sentido de que dentro da universidade estivessem professores revolucionários e que as matrículas fossem justas. No ano de 1962, quando foi eleita a direção com a qual estivemos há poucos dias (4), começou o plano de becas universitárias, que é o plano de criação de residências estudantis nas quais pudessem ficar os estudantes. São grandes edifícios que as universidades fazem para que os estudantes que não são da cidade possam cursar sua carreira sem ter que se preocupar com outras coisas, pois têm, ali, gratuitas, alimentação, hospedagem e outras coisas. É no ano de 1962 que se inicia tal plano e essa série de serviços gratuitos.

No último congresso, dentre as resoluções e planos que aprovamos, está o tema de seguir aproximando mais os universitários à comunidade. São o que chamamos de Tarefas de Impacto Social, nas quais reunimos estudantes das diversas especialidades para apoiar as comunidades, com temas como a cultura jurídica, a cultura econômica, bem como a cultura em geral. Fazemos isso porque sabemos que há bairros em que  não há o mesmo desenvolvimento cultural de outros. Também, a universidade deve apoiar o desenvolvimento da recreação, dos espaços de diálogo e de debate.

Sobre esses espaços, nós acreditamos ser importante que os estudantes tenham essa oportunidade de dialogar com as personalidades de diferentes áreas. Inclusive, quando os diversos Ministros estiveram nas universidades, nós insistimos que eles deveriam trocar experiências com os estudantes, que os estudantes pudessem conversar diretamente com eles para expressar suas inquietudes. Temos trabalhado bastante nisso desde o último congresso da FEU.

No mês passado, recém finalizamos um encontro de estudantes de ciências médicas e também realizamos o Fórum Nacional de História, para promover o estudo da história de Cuba, da América Latina e a História universal. Nesse sentido, nós realizamos uma série de eventos, dirigimos as coisas orgânicas como o funcionamento e organização. Também realizamos festivais nacionais de artistas profissionais, o que envolve todo o tema cultural; um evento nacional desportivo e atividades na esfera do movimento científico.

Tudo isso na perspectiva da universidade cubana, que os  estudantes se formem de maneira integral. A intenção, tanto do Ministério da Educação Superior, como da FEU, é que os estudantes sejam bons tanto na docência, como também participem da vida cultural, esportiva e científica, e que compartilhem também com suas comunidades. Como dizia Julio Antonio Mella "Há que descer a colina universitária (as escadarias), e vincular-se mais com o povo", para que seja não uma universidade de elite, mas sim uma universidade popular.

 - A FEU se relaciona com outros movimentos, como organizações de massa, políticas e sociais? Como é essa relação?

(Yanet) - Aqui em Cuba, pela estrutura e pelo próprio sistema político que existe, todas as organizações colaboram e se vinculam entre si. Atualmente, nós trabalhamos em conjunto principalmente com os movimentos juvenis que formam parte da União de Jovens Comunistas. Dentre elas a Federación de Estudiantes de la Enseñanza Media (FEEM) (5), que representa os secundaristas, o Movimento Juvenil Martiano e a Brigada de Instrutores de Arte. Além dessas, do movimento de jovens, há organizações como a Federação de Mulheres Cubanas, e os CDRs (os Comitês de Defesa da Revolução), que são as organizações de base dos bairros, com as quais temos trabalhado nas tarefas de impacto social, bem como atividades conjuntas em seus congressos. Também, com a Associação de Historiadores de Cuba; o Instituto de Rádio e Televisão de Cuba, desde as quais temos acesso a Televisão e a Rádio no país; e também fazemos atividades com as forças armadas. Ou seja, temos que trabalhar e nos relacionar com todas as organizações, e tudo flui muito bem. O que acontece aqui em Cuba, ainda que tenhamos funções diferentes, é que todos trabalham com o mesmo fim: seguir transformando e avançando com o processo revolucionário.

 - E como a FEU se financia? Ela obtém algum subsídio do Estado ou é "auto-financiada" por seus integrantes?

(Yanet) - A FEU se mantém das duas formas, pelos membros, sendo cerca de 120 mil integrantes, que contribuem, cada um, com 3 pesos, o que, de fato, não é uma grande quantia, e também recebendo subsídios do Estado, através da União de Jovens Comunistas, que nos ajudam a realizar toda essa série de eventos e cada atividade que realizamos nos diversos lugares.

 - Como a FEU se relaciona com a União de Jovens Comunistas e com o Partido Comunista de Cuba?

(Yanet) - Realmente as relações são muito boas. A FEU identifica, inclusive está plasmado em nossos estatutos, que a UJC é a guia, a vanguarda política da FEU. Nossa condutora política é a UJC, e dentro dessa mesma abordagem, como lhes dizia, na qual somos todos o mesmo, na universidade isso também ocorre. Metade de nossos universitários são militantes da juventude, ou seja, o estudante membro da FEU é o mesmo estudante membro da juventude. Não há qualquer contradição, visto que estamos nos mesmos centros e as duas organizações convergem. O que ocorre é que a FEU é uma organização de massas e a UJC é uma organização política, seletiva. Na UJC não é qualquer um que pode ser membro, pois existem certas condições, a pessoa tem de ser uma pessoa de vanguarda. Já a FEU é de todos que querem integrá-la. As relações entre as direções são muito boas e facilitam muitos projetos que realizamos. Já quanto ao Partido, que dessa mesma escala de relações é quem dirige a Juventude, nossas relações são muito boas em todas as esferas, desde a base até nível nacional. A função que o Partido assume é de nos guiar, nos orientar e nos ajudar. Minha visão, bem como a do secretariado da organização, é de que as relações são harmônicas e funcionais.

 - E todo estudante universitário é da FEU?

(Yanet) - Na realidade, como explicava, a FEU é uma organização massiva e voluntária. Portanto, se o estudante deseja ele pode integrar a FEU. No primeiro ano, quando o estudante entra na universidade, ele é explicado acerca do que é a organização, sobre as atividades que ela realiza, então ocorre o processo de ingresso. No dia 30 de setembro de cada ano temos o ato de entrega das carteiras da FEU, normalmente todos participam. Ainda, pode ocorrer de haver um estrangeiro, que também pode se integrar, mas sempre se estiver de acordo com sua vontade.

Dentro da universidade não pedimos as carteiras quando realizamos nossas atividades, nos preocupamos com todos os estudantes, sejam ou não da FEU.

 - E como são definidos os dirigentes e os delegados da FEU?

(Yanet) - O processo eleitoral da FEU se realiza a cada ano e também começa no mês de setembro. Começam as eleições nas brigadas, que é a estrutura básica, e daí se elegem os líderes dessas brigadas e também se elaboram as propostas para a faculdade. Depois, ocorre a eleição a nível de faculdade, na qual são expostas os dados dos estudantes propostos, sua biografia e sua trajetória. Nessas eleições, a nível de faculdade, votam todos os estudantes. Posteriormente, para as eleições na universidade, se apresentam as propostas das faculdades e se cria uma comissão de candidatura. Igualmente a eleição na faculdade, votam todos os estudantes. Já a nível nacional, visto que é impossível que todos os estudantes votem, são votados ou no congresso, quando há congresso, ou no conselho nacional da FEU, pelos representantes que vem de todas as províncias. Todos os anos ocorrem eleições e os dirigentes que representam os estudantes são elegidos pelos próprios estudantes.

 - E qual é a relação da FEU com a FEEM?

(Yanet) - Somos da mesma família, a União de Jovens Comunistas. Realizamos muitas atividades com eles, principalmente indo aos pré-universitários, que é onde se concentram os estudantes do ensino médio, onde fazemos atividades vocacionais e informamos aos estudantes do pré-universitário sobre as carreiras e o que realmente se faz na universidade, porque, muitas vezes, essa garotada não tem muito bem definido a carreira que quer escolher. Também realizamos atividades culturais, recreativas e desportivas em conjunto, como parte da extensão universitária.

 - E para finalizar, atualmente, quais os principais desafios da FEU?

(Yanet) - O principal desafio que temos hoje, falando não como dirigente, mas como estudante universitário, em primeiro lugar, é seguir nos preparando com essa formação integral, porque acredito que as revoluções necessitam de homens integrais, e não de grandes acadêmicos ou advogados, mas sim de grandes acadêmicos e advogados que sejam revolucionários e pessoas integrais. Eu acredito que com esse tipo de pessoa é que se salva a Revolução. O grande desafio da FEU é seguir acompanhando e formando esses homens integrais. Também, seguir representando cada dia mais os estudantes, pois essa é a base de nossa organização, representar, orientar e mobilizar para o bem da organização. Porque o que façamos para o bem da organização é para o bem da revolução.

Eu também vejo que temos muitos desafios no contexto latino americano. A FEU de Cuba é a que está presidindo atualmente a Organização Continental Latino Americana e Caribenha de Estudantes(OCLAE), que logo terá um congresso na Nicarágua, no qual temos o desafio de que a FEU de Cuba siga com a presidência. Aqui em Cuba está o secretariado executivo da organização, a qual é composta por um brasileiro de uma organização de estudantes do Brasil, também representada por um estudante do Equador e de uma série de países que estão aqui trabalhando. Na OCLAE temos como principal desafio seguir debatendo a educação publica e gratuita na América Latina, pois a organização deve se pautar pela necessidade de cada um dos países, e, infelizmente, ainda temos muitas matrículas privadas no continente, bem como seguir promovendo a luta em cada um dos países, e seguir nos aproximando das comunidades através da realização de atividades de impacto social.

Os principais desafios estão nesse sentido, seguir fortalecendo a organização, formando os homens integrais, trabalhando pela integração latino americana, pela educação gratuita e pública no resto dos países e seguir apoiando os líderes da Revolução, impulsionando que os estudantes sejam cada vez mais revolucionários, o que é nossa responsabilidade.

30 de junho de 2014

(1) - Nascido em 1903, Julio Antonio Mella foi revolucionário cofundador do Partido Comunista de Cuba; integrante da Internacional Sindical Vermelha; fundador da Federación Estudiantil Universitaria, da Liga Anticlerical, da Universidade Popular "José Martí", que buscava formar politicamente os trabalhadores, da Seção da Liga Antiimperialista de Cuba e de uma série de organizações revolucionárias. Em 1929, exilado no México, aos 26 anos, foi assassinado à pedido de Gerardo Machado, ditador cubano do período. Julio é um mártir da luta revolucionária que em suas últimas palavras, após ser alvejado, afirmou: "morro pela revolução".

(2) - A Reforma Universitária de 1918 na Argentina foi um feito levado à cabo pelo movimento estudantil desse país após resultados fradulentos no sistema eleitoral universitário. Os estudantes tomaram uma série de universidades no país, o que levou o governo argentino a interferir e transformar uma série de estruturas universitárias. A mobilização dos argentinos teve impacto continental. Foi um marco das lutas estudantis no continente.

(3) - O Diretório Revolucionário foi uma organização de caráter insurreicional que participou ativamente das lutas da Revolução Cubana. Dentre elas o famoso assalto ao palácio presidencial. Em 1956, no México, a liderança do Diretório Revolucionário, José Antonio Echeverría, assinou com a liderança do movimento 26 de Julio, Fidel castro, um pacto (O Pacto do México) de união de fins na luta contra a ditadura de Batista. O Diretório atuava majoritariamente nas cidades.

(4) - Os integrantes do NMLC estiveram com Yanet poucos dias antes da entrevista, no dia 26 de júlio de 2014, em um evento em homenagem aos revolucionários que estiveram à frente da FEU no ano de 1962.

(5) - A Federación de Estudiantes de la Enseñanza Media (FEEM) é a organização representativa dos estudantes secundaristas de Cuba.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Encontro com Fernando González Llort - Parte 2



No último mês de julho, alguns companheiros tiveram a oportunidade de conversar com Fernando González Llort, intermediados pela jornalista e companheira cubana Bolívia Tamara Cruz. Reproduzimos aqui a segunda e última parte dessa conversação, na qual Fernando coloca sua visão sobre o que é ser revolucionário sem ter nascido em um processo revolucionário.

Para a primeira parte da conversa, clique aqui.

“Eu sou dos que pensam que se um ser humano é um bom ser humano, acaba sendo um revolucionário. Porque não há outra maneira, quando há tantas coisas no mundo que a gente vê que são injustas. Então, se a gente parte (da idéia) de ser um ser humano com qualidades que o convertam em um ser humano bom, de uma maneira ou outra, mais radical, menos radical, desde as posições do marxismo ou desde outras posições, se transforma em uma pessoa que sente a necessidade de transformar o mundo.” – Fernando González Llort




Equipe do blog Fuzil contra Fuzil